"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

6.02.2006

Gainsbourg, Serge

Sempre me lembro de ter problemas em memorizar datas.
Memorizar datas de eventos ou de aniversários, sempre constituíram para mim um problema.
Teria sido bonito que este escrito tivesse saído na data apropriada, mas ainda assim…

Em 2 de Abril de 1928, nasceu em Paris, Lucien Ginzburg, filho de judeus russos refugiados das convulsões da Revolução de 1917.
O pai de Lucien dividia a sua criatividade entre a música, a pintura e a frequência activa da noite parisiense.
O jovem Ginzburg, à época, aprende piano não obstante a sua inclinação pela pintura, chegando a dar entrada na École dês Beaux Arts que vem a abandonar decepcionado com os resultados. A decepção é levada ao ponto de, em 1958, destruir todos os quadros.

É neste mesmo ano que muda o nome para Serge Gainsbourg e se dedica de forma apaixonada à música como se haveria de dedicar da mesma forma intensa a outras paixões de que Jane Birkin foi talvez a mais conhecida e aquela que verdadeiramente nunca se extinguiu.

Serge (ou Lucien) era para além do mais um criador. Mas um criador de tal forma irrequieto que quer na música quer noutras áreas onde a sua criatividade de exerceu, nunca se acomodou a um género ou estilo, enveredando por caminhos vários e experimentações diversas, alheio a rótulos, epítetos, críticas ou insultos, levando o seu ecletismo ao ponto de tanto colaborar com Juliette Gréco ou Boris Vian, como concorrer e ganhar o Festival da Eurovisão pela voz da ninfeta France Gall.

Uma carreira musical tão vasta e “torrencial” como foi a sua, teria que ter forçosamente altos e baixos. No entanto, Serge Gainsbourg não se dedicou somente à música. Dedicou-se ao Escândalo e à Provocação, abanando a hipocrisia das convenções sociais com as suas atitudes mas também com os seus filmes, as suas fotografias e as suas declarações: “Há uma trilogia na minha vida, um triângulo equilátero, digamos, de Gitanes, álcool e mulheres”.

É óbvio que esta declaração não pode ser tomado à letra porque a arte (as muitas artes) a que se dedicou e que o absorveram por inteiro impunham a figura de, pelo menos, um quadrado e não de um triângulo cujos vértices proclamou…

A sua música encontra-se repleta de obras intemporais. Cantadas e recriadas não só pelos grandes nomes da “chanson” como por um elevado número de músicos de todas as tendências e latitudes, do rock à electrónica, da América à Ásia, vem sendo regularmente revisitada para dar origem a maioria das vezes, a discos de homenagem. Aqui ficam alguns exemplos desses registos e dos intervenientes:

“Lucien Forever” com a participação de nomes como The Walkabouts, Luna ou Vive la Fête entre outros.
“I love Serge – electrónica Gainsbourg” onde intervêm por exemplo Howie B., Herbert ou dZihan & Kamien.
“Great Jewish Music” com a participação de alguns nomes da vanguarda musical nova-iorquina como sejam John Zorn, Fred Frith ou Marc Ribot.
“Made in Japan” integrando somente músicos japoneses como Fumie Hosokawa, Kenzo Saeki ou Natsuo Ishido.

Com edição deste ano, acaba de sair “Monsieur Gainsbourg Revisited” onde pontuam alguns dos nomes mais sonantes da cena musical alternativa e não só… Franz Ferdinand & Jane Birkin, Cat Power, Portishead, Michael Stipe, Tricky, Gonzales, Feist, são alguns desses nomes.

Aquele que um dia se chamou Lucien Ginzburg e que ficou para a história como Serge Gainsbourg, foi compositor, poeta, actor, músico, cantor, fotógrafo e realizador, havia iniciado a carreira artística como pintor. O mesmo que em 1958 destruiu as suas obras porque não as considerava dignas, nunca abandonou de vez as belas artes, como o comprova a capa do disco “Amour des Feintes” que desenhou para Jane Birkin.

O coração de Serge Gainsbourg de tanto bater, parou no dia 2 de Março de 1991. Teria feito anos no pretérito dia 2 de Abril… Parabéns Lucien!