"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

6.13.2008

o que será feito dele?


Passam hoje 120 anos sobre a data de nascimento de Fernando António Nogueira Pessoa.

Por entre os ecos das Festas da Cidade e dos Santos Populares e de forma muito discreta se vai comemorando a data, com as possibilidades e os recursos que cada comemorante dispõe. Claro que integrar Fernando Pessoa nas ditas festas nem pensar. Talvez porque não tivesse sido santo e menos ainda popular.

(...)
Amanhã também eu me sumirei da Rua da Prata, Rua dos Douradores, Rua dos Fanqueiros. Amanhã também eu – a alma que sente e pensa, o universo que sou para mim – sim, amanhã eu também serei o que deixou de passar nestas ruas, o que os outros vagamente evocarão com um “o que será feito dele?”
(...)

Na semi-obscuridade por largos períodos entrecortados pela amplificação da descoberta de mais um manuscrito inédito ou por algum evento a que a asfixiada “Casa Fernando Pessoa” se obriga ciclicamente para fazer prova de vida, emerge a horas certas, datas seguras, tranquilamente previsível...

As editoras não perdem a oportunidade e as entidades oficiais – embora comedidas – também não. É preciso glorificar o mito, fazer render a mística (ou não fora o ministro da cultura a fazer prova de fé ao proclamar que Fernando Pessoa vale mais do que a GALP) até que venha mais um “número redondo” e outra comemoração se torne inevitável.


Culpados disto somos nós todos. Os que detém os recursos e as possibilidades, mas também os que não os tendo, têm ideias e que apesar disso mais não fazem do que queixar-se das instituições (sou um deles...) sem as forçar ou persuadir para que ponham os recursos ao serviço dos cidadãos que alguma coisa inovadora queiram fazer.

E assim vamos andando em tempos de bloqueios (mentais também), por entre queixas e recriminações assistindo a mais do mesmo e dando razão ao poeta.

(…)
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido…
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia…
Depois lentamente esqueceste,
Só és lembrado em duas datas aniversariamente:
Quando fazes anos que nasceste,
Quando fazes anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.
(…)