"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

9.29.2008

Lisboa


A minha cidade é a cidade mais bonita do mundo.

Agora, com a prometida “devolução” do Cais das Colunas vai ficar ainda mais bonita.

Contudo, é com fundamentados receios que ciclicamente assisto ao relançamento da magna questão o que fazer do Terreiro do Paço. Fazer o quê? E para quê? Fechá-la ao transito aos domingos… parece-me bem, mas com que finalidade? Desertificar a Baixa ainda mais? Não permitir a circulação automóvel aos domingos é sem dúvida louvável, mas só por si é quase nada. Devolver o Terreiro do Paço aos lisboetas? Sim, sem dúvida, mas onde estão, em alternativa, os atractivos? Como chamar as pessoas a desfrutar da sua magnificência? Parecem-me excelentes as propostas do historiador Rui Tavares e do arquitecto Ricardo Carvalho explanadas num artigo de Alexandra Prado Coelho para o Ípsilon (jornal Público de 29/08/2008)… Será que quem “põe e dispõe” lhes dará ouvidos?
Tenho dúvidas…

A minha cidade é a cidade mais bonita do mundo. Não obstante o trânsito caótico, as obras intermináveis, o lixo e a sujeira acumulados e mais tudo aquilo que de negativo existe e agora não me ocorre, a minha cidade é a mais bonita do mundo.

Não sendo um todo homogéneo, sequer coeso, antes uma manta de retalhos mal cerzida onde faltam pedaços de um lado e sobram remendos de outro, tem na Baixa, o meu território de eleição, o oposto disso mesmo. De todas as zonas da cidade, aquela que melhores condições reunia para estar ordenada e organizada, era sem dúvida a Baixa. O seu traçado reticular pareceria propiciar isso mesmo, mas tal não se verifica. Anos de sucessivo desprezo (é o termo!), cuja consciência se foi lavando com a constituição (a expensas do erário público) de sucessivas e inoperantes comissões de reabilitação que tudo fizeram para nada fazer… ou fizeram muito pouco, muito pouco esse que é afinal o mínimo necessário para que tudo fique na mesma.

Verdade se diga, os alfacinhas não a têm tratado como merece. Os sucessivos governantes também não. Uns e outros não têm feito nem melhor, nem diferente.

Nada disto é novidade, como nada disto é de agora. Eça em quase tudo o que escreveu como outros antes deles e muitos outros depois, não se pouparam a zurzir os políticos de carreira e as denominadas figuras públicas que têm governado a capital ou dela têm feito trampolim para outros desígnios mais altos. É permanente a confusão entre serviço público e servirem-se do público e todos sem excepção têm sucumbido aos encantos do poder e das suas benesses, dando, pela enésima vez razão a John Emerich Edward Dalberg-Acton (1843-1902)…

Mas vivemos num país onde a esmagadora maioria das “figuras públicas” é inimputável e em que a minoria das ditas “figuras” que por qualquer obscura razão se torna repentinamente “putável” acaba em tribunal a pedir (e a receber) chorudas indemnizações do Estado, pelas perdas e danos causadas pela temporária “putabilidade”.

Apesar do que foi dito, redito e escrito, sou um apaixonado pela minha cidade e todos sabemos que, onde existe paixão, não existe razão…

Sou um apaixonado pela minha cidade e deixo-me tocar pelas razões que assistem por inteiro aos autores do livro “A nossa Lisboa”, Gustavo de Matos Sequeira e Luiz Pastor de Macedo, que numa edição de 1945, com a chancela da Portugália, que me chegou por via da “1870 Livros”, deixaram dito:

“Correram anos. Vieram malefícios dos homens e da terra; agitaram-na abalos, queimaram-na labaredas, arrasaram-na as guerras, conspurcaram-lhe a face de fealdades e arrebiques pelintras de maquilhagem. Foi sofrendo resignada. Agarrou-se bem aos seus outeiros, enlevou-se mais no rio, deixou-se beijar melhor pelo sol, embrulhou-se no manto fino da sua luz de milagre. E continuou linda.”

Citei estes autores, mas poderia citar também Cardoso Pires do seu magnífico livro sobre Lisboa. Ou ainda o Saramago da carta de amor que à cidade endereçou. Mas fico-me por aqui e reafirmo, que apesar do trânsito caótico, das obras intermináveis, do lixo e a sujeira acumulados e mais tudo aquilo que aquilo que de negativo existe e agora não me ocorre, a minha cidade é a mais bonita do mundo.

Já não é de todo a cidade dos pregões… Mas é a cidade do Fado, de todos os escritores que a reescreveram, da sardinha assada, dos eléctricos, da saudade e de mais uns quantos lugares-comuns dos quais os bem-pensantes fogem como o diabo da cruz e aos quais Olivier Rolim contrapõe: “uma cidade sem lugar-comum, seria uma cidade dispersa, absolutamente submetida ao diverso, reduzida a pó, uma cidade invisível”.

“… e outra vez te revejo, Lisboa e Tejo e tudo” assim o disse Pessoa.

Se possível com o Cais das Colunas, digo eu…



9.22.2008

José Saramago tem um blog


Que seja bem-vindo à Blogosfera!

Saramago, José Saramago, insigne escritor, Nobel da Literatura, bastas vezes laureado e outras tantas reconhecido como uma das grandes personalidades literárias do nosso tempo, acaba de estrear o seu blog chamado “Cadernos de Saramago” e que pode ser visitado através do endereço http://blog.josesaramago.org/

Explicando melhor, a página de Internet da Fundação que ostenta o seu nome, acolhe o blog pessoal do escritor, onde este tenderá a escrever na exacta medida em que a isso se dispuser.
O que se terá passado para que (até) Saramago tenha um blog?

O próprio explicou que o blog será usado para fazer “comentários, reflexões, simples opiniões sobre isto e aquilo”.

Vindo de quem vem, será seguramente muito mais que isto. Será um veículo comunicante mais actuante, será também, certamente, uma plataforma para atingir outros públicos que por uma razão ou outra se encontram divorciados dos livros impressos. Soube-se esta semana que, os jovens portugueses já passam mais tempo na Internet do que a ver televisão… provavelmente o tempo por eles consumido na Internet não terá motivações literárias, mas ainda assim…

Eu, leitor assíduo do Saramago escritor, serei naturalmente visita regular da sua página.

9.12.2008

O tempo


Ao longo dos tempos – todos os tempos – sempre houve lugar a grandes reflexões sobre o tempo.

É possível, com alguma facilidade, efectuar uma recolha diversificada de escritos de filósofos, cientistas, escritores, artistas, ensaístas e outros pensadores, através dos quais os seus autores tentam explicar o que é o tempo, essa “coisa” instável, variável e efémera.
Obviamente que a forma como o tempo foi pensado ao longo da História não prima pela uniformidade nem pela homogeneidade tal como não o são o tempo dos relógios e o tempo da consciência.
A forma acelerada como se vive hoje em dia parece ter acentuado essa discrepância.


“Os homens que inventaram o tempo, inventaram por contraste a eternidade, mas a negação do tempo é tão vã como ele próprio. Não há passado nem futuro mas apenas uma série de presentes sucessivos, um caminho perpetuamente destruído e continuado onde todos vamos avançando”
O tempo esse grande escultor; Marguerite Yourcenar

Todos temos problemas com o tempo.
Decerto que uns mais e outros menos, mas creio que todos nos debatemos com problemas de tempo. Problemas esses que são de escassez umas vezes, de sobras noutras.

Uns correm possessos atrás do tempo com uma urgência desmedida, tratando o dito como bem essencial; outros estranhamente esbanjam-no ou tentam iludir de várias maneiras o seu penoso arrastar, porque para esses o dito não flui.

Os meus problemas com o tempo têm invariavelmente a ver com escassez.
Ando quase sempre pontualmente atrasado e mesmo assim, quando o dia acaba, é sempre mais o que fica por fazer do que aquilo que ficou feito.
Isto é assim ao fim do dia e as repercussões são sempre maiores e os efeitos mais notórios ao fim de uma semana, de um mês…

Os que (como eu) se debatem com falta de tempo – seja esta questão física ou psicológica – têm sempre a cabeça cheia de complicadas equações acerca do tempo gasto, do que falta fazer, da rentabilização do dito que se esvai inexoravelmente, indiferente a todos os cálculos e planos elaborados para retardar, ou pelo menos acompanhar, a sua marcha…

Aqueles a quem o tempo sobra, também têm problemas, mas de outra ordem, problemas esses que passam por complicadas estratégias para “matar o tempo”, a através de meios genericamente designados por passatempos onde não pode deixar de incluir a “caixa que mudou o mundo”.

Mas não é propriamente a “esse” tempo que me quero agora referir.
Uns e outros, aqueles aos quais o tempo falta e mesmo os outros a quem o tempo sobra, já passaram seguramente por estados de alma tão difíceis, tão dilacerantes, que por iniciativa própria ou por indução dos hábitos ou do muito ouvir dizer, confiaram ao tempo a tarefa de atenuar os nefastos efeitos das agruras da vida ou de penosos achaques existenciais.
Naquilo que me diz respeito, nunca fui muito bem sucedido.

“O tempo sara todas as feridas” é na minha opinião a expressão do mais refinado embuste! Não sara coisa nenhuma, não atenua nada do muito doer, se os motivos dessa dor se mantiverem vivos na memória.
Seria pois necessário que a memória colaborasse nessa grande mistificação, o que não acontece. Aí, a dor permanece, sempre viva, sempre activa, disposta a tudo para se fazer sentir, perante a silenciosa indiferença do “grande impostor”.

“Atrás do tempo tempo vem”. Que grande e inegável verdade! Mas que tempo? Outro… que outro? Se a memória persistir em reacender imagens antigas em cada gesto, objecto, situação, lugar…, numa sucessão infindável de presentes que se vão alimentando do passado e recusando ostensivamente qualquer ideia de futuro…

E assim, o “grande escultor” aí está para, a cada golpe do seu acerado cinzel, abrir novas brechas nas frágeis defesas que fomos erguendo.

9.05.2008

Exposição na "Trama"

O nomear, o designar, são sempre insuficientes em relação ao objecto a que se referem. É sempre mais o que fica por dizer do que aquilo que já foi dito.

Que distancia separa o objecto nomeado, da palavra que o nomeia?

A ideia de desígnio e a ideia de desenho, não se excluem. Têm mais em comum do que apenas a sua origem. Desenhamos aquilo que conseguimos designar.

Que distância separa o objecto do contorno que o rodeia?

A ideia de desígnio nunca abandona o desenho, paira em torno do objecto como uma sombra, pertinente e persistente como a luz que a origina.
Tão frágeis as sombras que os objectos produzem…
Como frágeis são as palavras que usamos para os nomear. Mas é da fragilidade das palavras que emana o fascínio exercido pelo acto de designar.

Fundidos num conceito, desígnio e desenho materializam-se em objectos ao serviço de uma ideia: a da sua objectualização.

9.01.2008

Mas afinal...

Fui recentemente interpelado sobre o que me leva a escrever num blog.

Posteriormente a questão estendeu-se às razões que levam as pessoas a escrever em blogs.

Os termos em que a interpelação se deu e o tom empregue, pressupunha alguma depreciação por parte de quem assim me questionava e a discussão não proliferou, em parte também, porque a hostilidade evidenciada perante cada tentativa de resposta não permitia grandes reflexões.

Agora, com alguma tranquilidade voltei a pensar no assunto e em busca de respostas, resolvi vir para aqui reflectir “em voz alta”…

Digamos que esta “actividade” tem para algumas pessoas uma carga negativa. Referem-se a ela como uma perca de tempo ou, se não perca, pelo menos gasto de tempo com uma ocupação fútil, um propósito inútil.

As razões e motivações dos outros não me interessam por aí além, salvo em casos muito pontuais. Não me interessou, não me preocupou, não indaguei as razões alheias. No entanto, reconheço que alguns blogs, dos muitos que por aí proliferam, possam propiciar apreciações pouco abonatórias, quer pelas matérias tratadas quer pelos maus tratos infligidos à língua portuguesa. Mas, num universo tão vasto, nem tudo é assim.

Existem blogs de todos os géneros e a propósito de tudo. Para uns serão como instrumentos de trabalho como para outros serão espaços de lazer. Existem blogs, sérios e bem concebidas onde matérias bastante interessantes são trazidas a público de uma forma rápida e acessível. Se este meio não existisse, tais assuntos dificilmente poderiam ser dados a conhecer por falta de meios. Mas, quem quer denegrir este universo “comunicacional” socorre-se bastas vezes de um nicho muito peculiar de blogs que são os diários pessoais, alguns absolutamente boçais, a maioria dispensável. Estes blogs servirão – ao que se diz - essencialmente para alimentar egos carenciados ou descompensados. Mas, se os seus autores estão no seu legítimo direito de se exporem e manifestarem, também qualquer pessoa tem a prerrogativa de os ignorar.

A existência de blogs, a sua manutenção e defesa, não são para mim uma causa.
Posto isto, que fique claro que só falo por mim e como tal, para a questão “Mas afinal, o que leva as pessoas a escrever em blogs”, não tenho resposta.

Voltando ao meu caso – o directamente interpelado -, porque tenho eu um blog?

Este blog, nasceu com o propósito de se constituir como um diário (também ele!?!).
Continha na sua génese a intenção de se fazer eco da minha actividade no campo das artes plásticas, sendo também um suporte para registos de opinião sobre assuntos do meu interesse ou de outros que simplesmente suscitassem a minha natural curiosidade.
Isto, creio eu, responde por mim e evidencia as minhas motivações.

Claro que se pode sempre questionar a quem interessa as minhas opiniões, como também, a quem interessa o meu trabalho.

Sobre isto, não tenho dúvidas: A mim em primeiro lugar. Quem pinta, desenha ou escreve, fá-lo em primeiro lugar para si próprio. Depois, bem mais atrás, vêm os outros…

É evidente que deste ponto de vista, este blog será sempre inútil, senão mesmo fútil.
Obviamente que de um ponto de vista meramente utilitário, este blog deverá ter uma eficácia próxima do nulo absoluto. Quero eu dizer que o número dos que me lêem não ultrapassa certamente um dígito. Deste modo, nem sequer consigo ser muito interventivo e sequer prejudicial.

Aquilo que aqui se passa anda então próximo do monólogo...
Os monólogos como os diálogos são feitos de palavras. Este blog, em última análise regista a minha relação com as palavras.

Não sou um homem de palavra – sou incoerente, farto-me de voltar atrás com o que afirmei, deixo promessas por cumprir – mas sou um homem de palavras e a minha relação com elas é tão tempestuosa como uma paixão.

Porque tropeço amiudadas vezes nas palavras e porque ao tropeçar por vezes caío, por descuido ou por elas empurrado. Porque também inúmeras vezes são elas que me estendem a mão e me ajudam a erguer. Porque são elas a mão que castiga e também a mão que afaga, por tudo isso, eu não me zango com elas, decepciono-me comigo.

Ainda assim, eu gosto de palavras. Muitas vezes acontece não gostar do que elas nomeiam. Todavia continuo a gostar das palavras, afinal, elas tal como nós, não são perfeitas.
Eu não sou perfeito, longe disso. As minhas palavras também não e o meu blog espelha isso mesmo.

(…)
O direito e o prazer narcísico do individuo que se exprime para nada, para si apenas, mas veiculado e amplificado por um medium. Comunicar, exprimir-se sem outro objectivo além do de se exprimir e ser registado por um micropúblico
(…)
Se tudo o que aqui foi dito, quis dizer nada, faço minhas as palavras de Lipovetsky.