Parecendo um bocado anacrónico, não o é assim tanto.
O que acontece é que as novas tecnologias, colocam à nossa disposição outras formas de comunicar, relegando para secundaríssimo plano o modo epistolar.
Escrever cartas caiu irremediavelmente em desuso… e assim é pelas mais diversas razões, prendendo-se quase todas (as razões) com questões de primeiríssima importância, como sejam a rapidez e a eficácia.
Sobre a rapidez e a eficácia, muito haveria a dizer, mas o que acontece realmente é que a arte epistolar está em extinção e o domínio da língua sofre com isso.
Exemplo flagrante é o efeito e a influência das abreviaturas das sms na linguagem oral e escrita quando esta é passada para outros suportes. Luís Sepúlveda com a destreza e sageza que se lhe reconhece, exemplifica com humor e desassombro tal uso e abuso no seu livro «A sombra do que fomos»: “Quero é com q e não com k, e também escreve-se com todas as letras.”
Existem múltiplos e riquíssimos exemplos de uma de escrita que abarcando vários domínios ficou para a História como parte do património literário. É o caso da Epístola de S. Paulo aos Coríntios ou as cartas de Rilke, a um jovem poeta que entre (muitas) outras correspondências, conquistaram a posteridade.
Num domínio, de registo mais documental, existem cartas que não só fizeram História como ajudaram a construí-la. Encontram-se neste âmbito as cartas de Pero Vaz de Caminha, dando conta ao rei D. Manuel do achamento do Brasil e das características das terras e gentes que por lá encontrou.
A História em geral e da literatura em particular foi consagrando alguns autores e as cartas que redigiram, como parte do património cultural a entronizar.
Hoje em dia, praticamente não nos chegam cartas que não tenham a ver com contas para pagar, intimações, multas e outras derivações. Recebem-se e-mails, telefonemas, mensagens… mas cartas não.
Como diria Gabriel Garcia Marquez, “Já ninguém escreve ao Coronel”.
Como não se escrevem, também não se recebem…
Se as cartas em geral estão a “desaparecer”, as de amor também o estarão certamente… Cartas daqueles que se escrevem, se rasgam, se reescrevem e nervosamente se introduzem num envelope (às vezes perfumado), se enviam pelo correio, ansiando pela resposta que nem sempre vem…
Houve um tempo em que as paixões coagiam os que as vivenciavam a trocarem cartas, nas quais o somatório das adjectivações devia servir para aquilatar a dimensão dos sentimentos.
São muitos os amores retumbantes que, os testemunhos epistolares pouparam ao esquecimento, como foi o caso das cartas trocadas entre Chopin e George Sand. Por estas latitudes, grandes escritores foram comprovados apaixonados. Camilo foi um deles, mas é a Fernando Pessoa pela voz de Álvaro de Campos que se deve a legitimação do ridículo, claramente assumido, no viver e descrever, escrevendo sobre tal condição.
Do lado dos poetas, impressionam pelo lirismo e autenticidade as cartas de amor de Pablo Neruda, impossíveis de ignorar.
Ainda no âmbito das cartas de amor, subsiste até hoje a dúvida sobre a autenticidade das cartas de Soror Mariana Alcoforado, freira de Beja. Verdadeiras ou ficcionadas – e não é toda a arte uma ficção? – as cartas e os sentimentos que veiculam, continuam até hoje a emocionar gerações de leitores predispostos a deixarem-se transportar pelas vagas emotivas que as ditas cartas condensam, tendo motivado grande controvérsia e gerado detractores, mas também palavras de apreço por parte de alguns grandes escritores Stendhal.
No universo artístico, se muitos foram os autores de que se conhecem cartas – magnificamente ilustradas e personalizadas como as de Van Gogh – dando conta das atribulações da vida e da obra que estavam a construir, artistas houve que em dado momento do seu percurso utilizaram a via epistolar para executarem as suas propostas artísticas.
On Kawara, mais conhecido pelas suas “data paintings” é um dos artistas que o fizeram de forma sistemática e continuada quer através de telegramas ou de bilhetes-postais, através dos quais e usando uma linguagem despojada, dava conta aos destinatários, da sua existência! Tanto quanto se sabe, continua a fazê-lo e continuará até ao fim dos seus dias. Tal atitude faz parte do seu projecto artístico.
Ainda no campo artístico, destacam-se as propostas de Eugénio Dittborn e as suas “Pinturas Aeropostales”, onde o principal postulado do projecto é o método adoptado pelo artista, o qual consiste no envio das obras pelo correio, para o local da exposição, expedido como se de correio “normal” se tratasse.
Chegadas ao local de exposição, as obras são desembaladas e expostas conjuntamente com os “envelopes” que as transportaram, sendo estes agregados ao método-processo artístico do autor, com todas as implicações, discussões e reflexões que possa suscitar.
É este o lado material das coisas. Das tais “coisas” que são do domínio dos afectos que se encontram materializados nos objectos criados. Num universo dominado por zeros e uns, faz bem perceber que ainda existe quem permaneça no lado humano da vida!
O que acontece é que as novas tecnologias, colocam à nossa disposição outras formas de comunicar, relegando para secundaríssimo plano o modo epistolar.
Escrever cartas caiu irremediavelmente em desuso… e assim é pelas mais diversas razões, prendendo-se quase todas (as razões) com questões de primeiríssima importância, como sejam a rapidez e a eficácia.
Sobre a rapidez e a eficácia, muito haveria a dizer, mas o que acontece realmente é que a arte epistolar está em extinção e o domínio da língua sofre com isso.
Exemplo flagrante é o efeito e a influência das abreviaturas das sms na linguagem oral e escrita quando esta é passada para outros suportes. Luís Sepúlveda com a destreza e sageza que se lhe reconhece, exemplifica com humor e desassombro tal uso e abuso no seu livro «A sombra do que fomos»: “Quero é com q e não com k, e também escreve-se com todas as letras.”
Existem múltiplos e riquíssimos exemplos de uma de escrita que abarcando vários domínios ficou para a História como parte do património literário. É o caso da Epístola de S. Paulo aos Coríntios ou as cartas de Rilke, a um jovem poeta que entre (muitas) outras correspondências, conquistaram a posteridade.
Num domínio, de registo mais documental, existem cartas que não só fizeram História como ajudaram a construí-la. Encontram-se neste âmbito as cartas de Pero Vaz de Caminha, dando conta ao rei D. Manuel do achamento do Brasil e das características das terras e gentes que por lá encontrou.
A História em geral e da literatura em particular foi consagrando alguns autores e as cartas que redigiram, como parte do património cultural a entronizar.
Hoje em dia, praticamente não nos chegam cartas que não tenham a ver com contas para pagar, intimações, multas e outras derivações. Recebem-se e-mails, telefonemas, mensagens… mas cartas não.
Como diria Gabriel Garcia Marquez, “Já ninguém escreve ao Coronel”.
Como não se escrevem, também não se recebem…
Se as cartas em geral estão a “desaparecer”, as de amor também o estarão certamente… Cartas daqueles que se escrevem, se rasgam, se reescrevem e nervosamente se introduzem num envelope (às vezes perfumado), se enviam pelo correio, ansiando pela resposta que nem sempre vem…
Houve um tempo em que as paixões coagiam os que as vivenciavam a trocarem cartas, nas quais o somatório das adjectivações devia servir para aquilatar a dimensão dos sentimentos.
São muitos os amores retumbantes que, os testemunhos epistolares pouparam ao esquecimento, como foi o caso das cartas trocadas entre Chopin e George Sand. Por estas latitudes, grandes escritores foram comprovados apaixonados. Camilo foi um deles, mas é a Fernando Pessoa pela voz de Álvaro de Campos que se deve a legitimação do ridículo, claramente assumido, no viver e descrever, escrevendo sobre tal condição.
Do lado dos poetas, impressionam pelo lirismo e autenticidade as cartas de amor de Pablo Neruda, impossíveis de ignorar.
Ainda no âmbito das cartas de amor, subsiste até hoje a dúvida sobre a autenticidade das cartas de Soror Mariana Alcoforado, freira de Beja. Verdadeiras ou ficcionadas – e não é toda a arte uma ficção? – as cartas e os sentimentos que veiculam, continuam até hoje a emocionar gerações de leitores predispostos a deixarem-se transportar pelas vagas emotivas que as ditas cartas condensam, tendo motivado grande controvérsia e gerado detractores, mas também palavras de apreço por parte de alguns grandes escritores Stendhal.
No universo artístico, se muitos foram os autores de que se conhecem cartas – magnificamente ilustradas e personalizadas como as de Van Gogh – dando conta das atribulações da vida e da obra que estavam a construir, artistas houve que em dado momento do seu percurso utilizaram a via epistolar para executarem as suas propostas artísticas.
On Kawara, mais conhecido pelas suas “data paintings” é um dos artistas que o fizeram de forma sistemática e continuada quer através de telegramas ou de bilhetes-postais, através dos quais e usando uma linguagem despojada, dava conta aos destinatários, da sua existência! Tanto quanto se sabe, continua a fazê-lo e continuará até ao fim dos seus dias. Tal atitude faz parte do seu projecto artístico.
Ainda no campo artístico, destacam-se as propostas de Eugénio Dittborn e as suas “Pinturas Aeropostales”, onde o principal postulado do projecto é o método adoptado pelo artista, o qual consiste no envio das obras pelo correio, para o local da exposição, expedido como se de correio “normal” se tratasse.
Chegadas ao local de exposição, as obras são desembaladas e expostas conjuntamente com os “envelopes” que as transportaram, sendo estes agregados ao método-processo artístico do autor, com todas as implicações, discussões e reflexões que possa suscitar.
É este o lado material das coisas. Das tais “coisas” que são do domínio dos afectos que se encontram materializados nos objectos criados. Num universo dominado por zeros e uns, faz bem perceber que ainda existe quem permaneça no lado humano da vida!
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