Originalmente editado em França em 1986, foi em 2005 objecto de nova edição em Portugal.
Jean Dubuffet surge “arrumado” nalguns compêndios de História de Arte, na prateleira da Arte Informal. Se por um lado esta corrente artística tende a pôr de parte qualquer tipo de figuração, dando ênfase à matéria pictórica, à cor e à textura, verifica-se que em Dubuffet, tal não acontece por inteiro. Não pondo de lado a figuração, este utiliza formas de representação, incorporação de matérias, cores e texturas, que com essa corrente se identificam.
As suas figurações e representações provêm de outros universos. São representações (a maioria das vezes) figurativas que se assemelham por exemplo, aos desenhos de crianças ou doentes mentais, deflagrando como manifestações de puro instinto, de onde qualquer racionalidade se encontra arredada.
Era precisamente assim que se manifestava a “Arte Bruta”, conforme propunha Dubuffet na década de 1940. Uma arte feita à margem da cultura e contra a cultura.
Tive ocasião em 2000 de visitar duas exposições de Jean Dubuffet.
Refiro-me concretamente à exposição “Jean Dubuffet” da Culturgest (onde os bilhetes ainda eram personalizados) e também às “67 obras sobre papel” que na mesma ocasião foram mostradas na Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva em complemento da anterior.
Nessa exposição da F.A.S.V.S. foi dado a conhecer um texto da autoria de Daniel Cordier, do qual aqui fica um excerto:
“A obra de Dubuffet é uma luta contra o olhar elaborado que, no espírito, traduz a eficácia, isto é, o mundo da mão. Para apreender a riqueza lírica do universo, o artista conserva a liberdade puramente muscular do olho sem a intervenção da consciência. Aliás, Dubuffet suspeita da consciência. Pensa que esta altera tudo o que toca e que, sobretudo, se opõe ao conhecimento das coisas em vez de o estimular. O artista persiste em encontrar acessos e vias para os quais a consciência pouco contribua. Nos seus trabalhos, o olhar reconquista a sua inocência e os seus deslumbramentos, e estes, por sua vez, extraem do universo das coisas o inesperado e o incomparável. Esta recusa das categorias ópticas tradicionais devolve à sua visão uma braveza saudável, selvagem.”
Este pequeno fragmento de texto, espelha não só a obra, mas também a forma como o artista a encara, o que transparece sobejamente no livro “Asfixiante Cultura” agora (re)publicado:
“Conferir à produção de arte um carácter socialmente meritório, fazer dela uma função social honrada, falsificam gravemente o seu sentido, porque a produção de arte é uma função propriamente e fortemente individual, e por conseguinte em completo antagonismo a toda a função social. Só pode ser uma função anti-social, ou pelo menos, associal.”
“Asfixiante Cultura” merece uma leitura atenta e isenta de preconceitos. Sobretudo uma leitura que consiga penetrar para além das espessas muralhas de ironia assentes com a argamassa da provocação, que circundam todas as ideias essenciais do texto.
Se assim não for, o sentido último deste perder-se-á na medida em que o leitor desatento acabará por se sentir atingido pelos contundentes golpes do autor, cujas palavras têm gumes acerados, apontados em todas as direcções, contra tudo e contra todos, no que à cultura e intelectualidade diz respeito, nomeadamente a cristalização de conceitos, o ordenamento dos ímpetos e o atenuar de propósitos.
Mas sempre assim foi. Aquilo que é fracturante hoje, iniciará novas correntes e acabará a fazer escola amanhã.
“A posição de subversão cessa, evidentemente quando esta se generaliza para finalmente se transformar em norma. Inverte-se nesse momento de subversiva em estatutária. Mas a sua virtude enfraquece já antes disso, progressivamente e á medida que aumenta o número daqueles que dela partilham. Aumenta pelo contrário, à medida que esse número se minimiza”.
Jean Dubuffet tinha disto uma consciência plena, mas ironicamente, nem ele próprio saiu ileso…
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