"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

5.30.2009

+ Histórias por Contar

(…)
O paradoxo do instante não é o de acabar quando surge.
Esse
dever o impomos nós ao “banal” instante”, talhado na peça
imaginariamente substancial do Tempo. O paradoxo do instante
é o de nunca ter principiado e
não ter fim.
(…)

Eduardo Lourenço




Esta série - Histórias por Contar - foi sendo construída a partir de negativos que por uma razão ou outra me escolheram como fiel depositário. Salvaguardadas as identidades que desconheço, as privacidades que respeito e os percursos de vida que ignoro, interessou-me apenas a matéria plástica das imagens e a coreografia que as mesmas proporcionaram a partir de uma intervenção directa sobre a película.
Ao fazer minhas estas imagens num processo gradual de apropriação, procuro ater-me ao pressuposto definidor do momento fotográfico, o qual passa por ser o registo de um lapso de tempo que, terá sido precedido de um “antes” e terá forçosamente originado um “depois”.
Sobre estas imagens, só sei aquilo que vejo e a minha imaginação me permita conjecturar. Pura especulação portanto. Desconhecedor das condições em que foram obtidas, das motivações do(s) seu(s) autor(es), atraem-me sobretudo pelas suas potencialidades plásticas e surpreendem-me pelo desconhecimento da sua razão de ser… atracção essa que encontra eco no dizer de Barthes, “uma fotografia torna-se ‘surpreendente’, a partir do momento em que não se sabe porque foi tirada”.
Se numa imagem produzida por mim, posso ter a veleidade (se a memória não me atraiçoar) de ser conhecedor desse precedente “antes” e do consequente “depois”, tal não sucede no caso destas imagens.
Numa posição de autor acidental, mas também de espectador ocasional, a minha situação é idêntica à de qualquer observador: só detenho este instante. O resto posso sempre tentar inventar, compor um “antes” e um “depois” nos quais este “durante” possa participar.
As histórias…fica ao cuidado de cada um tentar contá-las.
NB (em exposição até 31 de Julho na Galeria Kabuki; mais informações em www.kabuki.pt)

5.24.2009

o “meu” cão que nunca tive

(excerto de metanarrativa ficcional)


(…)
- Olha! Agora tens um cão?
- Não, não tenho cão.
- Mas vejo-te com um!?
- Pois…
- Então? Tens cão ou não tens cão?
- Não, não tenho cão.
- Mas passeias um cão!?!
- Por vezes passeio um gato…
- Brincas! Se não tens cão, porque passeias um?
- Porque não é seguro que o cão se passeie a si próprio…
- Porra pá! Não se pode falar contigo.
- Isso não é verdade… se assim fosse esta conversa não estaria a decorrer…
- Conversa, dizes tu… Mas afinal, se o cão não é teu, é de quem?
- Se era apenas isso que te interessava saber, podias ter começado por aí…
- Realmente!? Só mesmo tu… podias ter dito logo de quem era o cão...
- Mas não foi isso que tu perguntaste. Porque haveria de responder a uma pergunta que não fizeste?
- Sei lá… era a coisa mais normal, não?
- Áh! Sim, a normalidade… já cá faltava…
- És impossível… olha, gosto em ver-te.
- Igualmente.
(…)

5.19.2009

A gripe A

Estou constipado.
Já é a terceira vez este ano que tal me acontece. Isto pouco ou nenhum interesse teria, e só por si não mereceria ser motivo de conversa, reconheço. Mas… se calhar não é só constipação… dores de cabeça, nas articulações, dificuldades respiratórias, olhos pesados e mais uns quantos sintomas do costume…

Gripe? Talvez…
Do tipo A? É mais do que provável.
Não vim do México nem de outro lado qualquer, como também não conto ir para lado nenhum, excepção talvez para o aconchego do Inferno se as suspeitas se confirmarem.
Era só o que me faltava, a “gripe dos porcos”.

Efectivamente... e se dúvidas restassem, o que se relata a seguir deveria acabar com elas. A gripe que aí anda é mesmo dos porcos…

Senão vejamos: Um grupo de norte-americanos começou por debater on-line a peregrina ideia de organizar umas “swine flu parties”, onde os participantes trocariam entre si perdigotos na esperança de, estando presente um infectado com o vírus H1N1, pudessem também eles contrair a infecção!!! Poderia ser anedota glosando a ingenuidade e proverbial patetice que daquelas paragens amiúde nos chegam amostras, mas não. Segundo aparece, tal porcaria tem uma certa lógica já legitimada por alguns especialistas, segundo os quais mais vale ser contaminado agora, do que mais tarde quando o vírus e as suas esperadas mutações se tiverem disseminado e provocado o descontrolo da situação, e enfim o caos…

Não fora a gripe dos porcos, e em vez de perdigotos poderiam trocar beijos, forma bem mais doce de provocar contágio…
Falando agora de números, estes são verdadeiramente impressionantes. Até ontem, tinham sido identificadas 8451 pessoas infectadas com a gripe A (H1N1) em 34 países, aumentando este número à razão de um milhar por dia. Comprovadamente, esta maleita já provocou a morte a 72 pessoas. Segundo algumas organizações internacionais, o pior poderá estar para vir e a O.M.S. prepara-se para elevar o nível de alarme para o grau seis, o que equivale a declarar uma pandemia.

Portugal – eterno retardatário, para o melhor e para o pior – só registou (ou confirmou?) até agora um caso de gripe do tipo A.

Por mera e desinteressada curiosidade fui saber “comos e porquês” e espantei-me com os números. A vulgar gripe sazonal matou mais de 1.900 pessoas este Inverno em Portugal. Estes são números revelados pelo Director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical. O mesmo senhor, Jorge Torgal, avançou com a estimativa de – caso não surja uma nova vacina – morte de 75.000 pessoas, só no nosso país, que o vírus H1N1 – o tal da gripe tipo A - poderá provocar!
Para terminar, quero deixar dito que a frieza destes números me deixa de tal maneira gelado que, atendendo ao estado das coisas, este blog poderá não durar muito…




5.10.2009

sax symbol

É afinal, citando Boris Vian, “…como no jazz, o êxtase.”

Com esta frase se conclui por aqui, tempos atrás, um texto alusivo a um projecto denominado “Sax Appeal” que despontou (e se mostrou em 2005) no Catacumbas Jazz Bar e posteriormente circulou por vários locais em versões diversas.
Se na altura fez sentido chamar a terreiro Boris Vian por via daquela frase letal e da sua ligação ao jazz - nada circunstancial (Vian foi, para além de muito mais, trompetista), hoje por maioria de razão, se evoca de novo a expressão... Por entre livros e mais livros se resolveu mostrar, uma espécie de retomar da temática “saxual” que não se esgotara e se julgou oportuno agora retomar. Não sendo uma saga – muito longe desse intuito – nem uma reconstituição, é muito mais a continuação, um pegar após uma interrupção. Para isso, nada melhor que um território de eleição, um lugar como a Trama para albergar esta exposição.

Aqui está de novo o saxofone. Instrumento que desde a sua existência não foi muito considerado como solista, diluindo-se por assim dizer, de forma anónima por entre os metais das grandes orquestras. Foi no jazz que encontrou o seu espaço, foi através do jazz que se afirmou como solista, foi pelo jazz que conquistou o estatuto de símbolo.

A primeira realização constituiu-se como uma mostra fotográfica, posteriormente ampliada com desenhos que de algum modo replicavam, sobre outros suportes e diversos materiais, as imagens primordiais. O que agora se expõe são também fotografias e desenhos mas em técnicas e suportes diferenciados que através da cumplicidades com objectos, procuram “atar as pontas soltas” do antes com o agora, entretecendo um improvisado diálogo, sob a sombra tutelar do SAX.