Vamos ser confrontados muito proximamente, com dois actos eleitorais da maior importância para o país. É nessa condição que não me esquivo a manifestar opinião.
As eleições legislativas e autárquicas têm, cada uma delas, propósitos muito diferentes e finalidades muito distintas, mas estou em crer que as suas especificidades se irão diluir e deixar triturar nos rituais ruidosos e frenéticos em que as campanhas se tornaram. Aquilo que se discute ou está presente, nestas, raramente são os programas que cada força política se propõe (ou não) cumprir, mas as mirabolantes promessas que cada partido ou candidato, nestas alturas resolve alardear e amplificar. Isto para não falar em tudo o que antes ficou por fazer, mas que cada um à sua maneira se compromete realizar agora, sem explicar porque o não fez antes, e como irá conseguir faze-lo agora…
Época de promessas por excelência, é aquilo que aí vem, e é tão fácil prometer, quando não se tem (a maioria das vezes) a mínima intenção de cumprir… Como esquecer a tão clarificadora passagem do livro “Memórias de Adriano” de Marguerite Yourcenar:
“O mais difícil foi persuadir Osroés de que se fazia poucas promessas era porque tencionava cumpri-las”
Mas os tempos são outros e ninguém está interessado numa campanha séria. O importante é prometer, não importa o quê. Quanto ao cumprimento, conta-se sempre com o que de curto a memória tem. Se assim não fosse, o circo não estaria montado a horas do espectáculo e o espectáculo já começou…
Vieram agora a público os números oficiais da última votação (para o Parlamento Europeu): Um em cada três eleitores não votou! A classe política estremeceu, os oráculos já pronunciaram, as luminárias do costume já decretaram. Há que tomar medidas.
Mas aos políticos (quase todos) não passa pela cabeça a moralização da classe, através da alteração dos hábitos, práticas e posturas… nada disso. Não se lhes desenha na mente ter comportamentos sérios, consentâneos com a dignidade dos cargos para que foram eleitos. Porque se assim fosse - e só como case study vale a pena referir isto - o partido no poder com a maioria absoluta de que dispõe, teria viabilizado as propostas de lei anti-corrupção que o seu deputado (agora exilado em Bruxelas) João Cravinho tentou fazer aprovar no parlamento. Tal lei, se eventualmente fosse aprovada, implicaria uma gigantesca operação de “higiene e limpeza” que parece não agradar a ninguém.
“Á mulher de César não basta ser séria. Tem de parecê-lo”. Esta frase célebre, importada da Roma antiga (muito anterior a Berlusconi…), adapta-se perfeitamente ao cenário político nacional. Por estas latitudes, o que se observa não é, nem uma coisa nem a outra, antes o contrário de ambas. Isaltinos, Loureiros, Felgueiras, Valentins e outros (muitos) mais, aí estão a comprová-lo, sem (quase) ninguém a reprová-lo e isso não deixa de ser espantoso! Claro que não se trata de querer substituir pela “praça pública” os tribunais a quem cabe por direito pronunciar juízos, mas a vergonha e o decoro são do foro da ética, não da justiça e uma como a outra, em Portugal não funcionam ou funcionam mal. Mas o espanto não se fica por aqui. Quando se pensa que já se viu e ouviu tudo, a nossa classe política e a corte de comentadores da dita volta a espantar-nos. Os que se consideram mais sérios e impolutos do que os demais também afinam pelo diapasão da falta de culpa formalizada!?! Jerónimo de Sousa, Pacheco Pereira, Francisco Louçã, Pulido Valente fazem coro com os demais… não se horrorizam, não se arrepiam, não se repugnam, que suspeitos e arguidos por aí andem impunemente a lutar pela impunidade ou a traficar responsabilidade que lhes garanta a imunidade … Fantástico, assim já sabemos com o que contamos! No dizer de Shakespeare “algo está podre no reino da Dinamarca”. Aqui, não parece, embora cheire.
Retomando o tema eleições, aos políticos de carreira, como se disse, não ocorre a que a ausência dos eleitores pode provir precisamente do descrédito que o seu comportamento provoca no cidadão comum. Daí a surgirem propostas como a de Carlos César (Presidente do Governo Regional dos Açores) que vêm na obrigatoriedade do voto a panaceia que ao regime resta para combater a abstenção. Tornar ou não o voto obrigatório, eis a questão.
Ninguém se indignou, ninguém se revoltou. Timidamente, o ex-presidente Jorge Sampaio veio a público dizer que o tema deveria ser estudado e debatido… Com franqueza, um e outro só podem estar a brincar ou talvez não e nestas tristes cabeças só nasçam pobres ideias como esta, para por a democracia a funcionar. De uma assentada, substitui-se o chamado “dever cívico” pela obrigação compulsiva. Como concretizariam isto não sei, nem quero imaginar. Se isto fosse avante, seguir-se-ia a punição dos votantes do branco e do nulo, provavelmente
A nenhuma destas cabeças formatadamente pensantes, em algum momento ocorreu que o desinteresse e o alheamento radicam nos próprios políticos e no seu desempenho, nas políticas que implementam, no sistema político de que se servem. Que o problema não está nas férias, nos feriados, ou no que quer que seja que queiram aventar ou inventar, que tudo tem a ver com o sistema que se instalou, com os vícios, a impunidade e as teias e conivências que forjou, e com a ideia de impotência que nas pessoas se gerou.
Obviamente que comungo da ideia de Churchill – um dos arquitectos do moderno edifício democrático em que vivemos – de que “a democracia é o pior de todos os sistemas políticos, com excepção de todos os outros”. Mas esta comunhão de opiniões não pode nem deve configurar uma aceitação passiva dos malefícios de que o nosso sistema político enferma. Como não deve nem pode ser impeditivo de movimentos de resistência – por vezes espontâneos que se geram – e a democracia tem dificuldade em digerir.
Quem não se lembra da celeuma levantada pelo “Ensaio sobre a Lucidez” de Saramago? Quem não recorda como os políticos do sistema se horrorizaram com a “epidemia branca” e o pretenso – subjacente ao livro - apelo do escritor ao voto em branco? Felizmente, para o bem comum, que Saramago se redimiu e recolheu ao redil, se conformou e confinou nos termos do negócio feito com a autarquia da capital e passou a celebrar e entusiasmar com as propostas do edil. Palavras para quê? È só mais um Zé que…
O Saramago escritor faz falta. O outro Saramago, nem por isso. Isto tem nome, chama-se tolerância, que é algo que faz mais falta do que todos os zés, sejam eles quais forem, nobeis ou não.
Impossível não recordar também aqui Solnado e o impagável refrão: “Senhor estou farto, Senhor estou farto!” Porque estou efectivamente farto.
Farto dos carreiristas oportunistas, que acusam os não votantes de demissionários, quando não de reaccionários, vociferando que não foi para isto que se lutou pela liberdade…
A liberdade, não pertence a ninguém. Não tem donos nem aferidores. A liberdade não deve excluir aqueles que não se revêem nestas fórmulas gastas e estafadas que ninguém tem a ousadia de querer regenerar. A verdadeira política, nas palavras de Jacques Rancière, faz-se no dissenso entre diferentes, entre as singularidades.
Tenho – como se terá evidenciado – uma opinião muito negativa sobre os políticas e a política que temos e estará “por nascer” aquele ou aquela que me farão mudar de opinião.
Até lá, vou continuar a dizer não!
“An attitude is a little thing that makes a big difference” Churchill dixit.
Vamos a votos, ou vamos a vómitos?