"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

11.02.2008

K7

“Todo o mundo é composto de mudança”. Assim foi, assim é, assim será. Luiz Vaz sabia-o e cantou-o.
A nós, menos dotados da presciência dos iluminados resta-nos aceitar como certa esta pequena certeza, contra todas as incertezas que nos cercam.

Magro consolo, diga-se.

Ironicamente, da Economia à Política, do Ambiente às Ciências, a mudança é a única constante num universo alargado de variáveis.
Todos os dias surgem dados novos sobre o desaparecimento de alguma espécie, acentuando a “via dolorosa” da biodiversidade.
Se no mundo global as coisas se passam assim, num rodopio frenético de transformações, o mundo da arte não fica imune a isso, encontrando-se por vezes no papel (incompreendido) de proclamador de algumas dessas mudanças, acabando também ele por sentir as repercussões das oscilações e transformações que se vão registando.

O evento aqui reportado, não se refere propriamente à extinção de uma forma de vida, animal ou vegetal. Refere-se apenas a uma forma de escutar o mundo e de registar os seus sons que se extingue.
A cassete morreu!

Sem sombra de saudosismo, recuso aqui desfiar o rosário das vicissitudes e virtualidades, em que uma conversa acerca de um meio de registo de som que foi fonte de prazer de gerações poderia degenerar…

A morte declarada da cassete é apenas a morte anunciada do CD e a morte a prazo do MP3 e por aí fora.
A fotografia digital vai aniquilando aos poucos a fotografia analógica, como o VHS fez ao sistema Betamax e como o DVD está a fazer aos outros suportes de registo de som e imagem. Os argumentos imbatíveis da interactividade, da qualidade, dos preços e da portabilidade assim o determinam.
Não importa muito saber quem liquidou o quê. Talvez interesse reter apenas que vivemos num mundo a prazo em que diariamente se confirma uma das máximas de Darwin: “Não é a espécie mais forte que sobrevive, mas aquela que melhor se adapta ao meio”.
A cassete estava desadaptada…

A cassete áudio foi inventada em 1963 e chegou ao mercado em 1965. Fez as delícias dos melómanos pela versatilidade e possibilidades que abriu no domínio das compilações caseiras. Quando se implantou, a cassete relegou as fitas magnéticas em bobina para o nicho dos profissionais de som.
Os anos 80, foram anos de apogeu para a cassete com o surgimento dos “walkman” e não havia festa, romaria ou feira onde não pontificassem as bancas de venda de cassetes pirata.

A cassete morreu, paz à sua alma!

Com ela, morre também uma atitude ou postura (se quisermos) perante a música e o universo dos sons. É também uma certa cultura que se vai. Thurston Moore (Sonic Youth) faz parte de alguns dos focos de resistência ao desaparecimento da cassete, tendo publicado recentemente o manifesto “Mix Tape: The Art of Cassete Culture).
Não obstante as resistências, 2010 é a data limite para um “prazo de validade” que vai expirando, pese embora o fenómeno de popularidade de que a cassete ainda desfruta em países como a Índia, onde anualmente se vendem 80 milhões de cassetes gravadas e que tem sido, em grande parte responsável, pela longevidade deste suporte
O artífice sonoro (também fotógrafo) Aki Onda continua a criar e a registar sons quotidianos, bandas sonoras de eventos artísticos e fundos musicais, entre outras criações, a partir de gravações em cassete, que vai reproduzindo – também nas performances que executa – em decks que vai manipulando e sequenciando.

Remando contra a maré, dirão alguns.
Snob desadaptado, dirão outros.
Inconformado, talvez, arrisco eu…

A “espreitar” de ouvidos bem abertos em http://akionda.net.

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