"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

6.23.2009

Rua dos Douradores

De todos os Personagens que Fernando Pessoa animou, é-me particularmente caro (e próximo) Bernardo Soares, que Pessoa “encontrou” por acaso numa sobreloja de restaurante caseiro na Baixa de Lisboa, presumivelmente na Rua dos Douradores – onde vivia e trabalhava - na qual e nas palavras atribuídas ao próprio “enfim, também há universo¹”.

Universo enfim, ficou escrito para a posteridade, num livro que Pessoa deixou profusamente anotado e inacabado, tendo apenas sido publicado em vida do poeta, um primeiro fragmento intitulado em jeito de premonição “Na floresta do alheamento”. Numa fase de semi-alheamento em que me desleixo a vaguear, tomam-me pensamentos emprestados em vejo uma Rua que oscila em tons de azul e verde, como o céu que a coroa e o rio que se adivinha em fundo, constituindo afinal tudo isto um mundo onde o sol também marca presença invulgar, fazendo apetecer a expressão de Bernardo Soares “Oh, Lisboa, meu lar!²”.

Curiosamente, ou talvez não, Pessoa definia Bernardo Soares como um “semi-heterónimo que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos³” que por sua vez era na essência o poeta da modernidade mas também o poeta da cidade. A cidade que amava e eu amo, a cidade que inventava e eu invento, a rua que sonhava e eu sonho.

Fingidor e sonhador assumido que era, Fernando Pessoa fingia e sonhava por ele e pelos outros num desassossego tremendo, extensível a Bernardo Soares que misturando a arte e a vida não se inibia de proclamar que “se tivesse o mundo na mão, trocava-o, estou certo por um bilhete para a Rua dos Douradores”. Como eu o compreendo, eu que também sonhei e sonho ter um dia um escritório e uma morada na Rua dos Douradores para que a arte e a vida mais do que se contemplarem, mais do que se completarem, se cumpram.


1 – “Livro do Desassossego” por Bernardo Soares

2 – Idem

3 - Fernando Pessoa, carta a Adolfo Casais Monteiro, 1935

4 - “Livro do Desassossego” por Bernardo Soares

2 comments:

Anonymous said...

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thaddiez said...

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