"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

2.26.2006

Errâncias de um "flyer" - Parte 1

Talvez seja exagerado fazer qualquer analogia entre estas errâncias e o conceito do flaneur tal como Charles Baudelaire o enunciou e Walter Benjamin o teorizou. No entanto, subjaz aqui algum resquício desse ideário, nas atitudes irrequietas, inquietas, por vezes irreflectidas deste flyer.

2.21.2006

Catacumbas Jazz Bar


A exposição “Sax Appeal” constituída apenas por imagens fotográficas e tiras de contacto intervencionadas, esteve o ano passado, entre 8 e 29 de Novembro, no “Catacumbas Jazz Bar”, na Travessa Água da Flor (Bairro Alto).

Foi para mim um prazer enorme ter tido a possibilidade de a mostrar ali, dado tratar-se de um local com uma mística muito própria, quer em termos de “movida” nocturna, quer em termos de cena jazzística.


Expresso daqui os meus públicos agradecimentos ao Manuel Pais, inexcedível em boa vontade e simpatia, tendo surpreendido os inúmeros presentes na noite da inauguração com uma série de “blues” atacados ao piano com uma energia e um feeling notáveis.

Durante o tempo em que esta exposição decorreu, fui fazendo uma série de fotografias tendo por motivo central o “flyer” (excelente) que a Margarida concebeu para o efeito. É essa série que vou passar a mostrar aqui – proximamente – em primeira-mão.

O conjunto de imagens expostas, transitou posteriormente para o Bartô onde permaneceu até 14 deste mês.

Quando a proposta de levar a exposição para a Costa do Castelo me foi apresentada, pensei que não faria nenhum sentido transpô-la assim, exactamente como estava, até porque as características físicas do espaço sendo diferentes, o espírito da mostra também teria necessariamente que o ser.

“Sax Appeal” tinha de facto sido concebida para mostrar no “Catacumbas Jazz Bar” ou eventualmente noutros locais onde a tradição do jazz fosse preponderante.

Não era (não é) de todo esse o espírito do Bartô que integrado no Chapitô é por excelência um local de experimentação e de ousado ecletismo nas propostas e iniciativas que leva a cabo.

Perante isto, havia que modificar a ideia inicial, tendo a preocupação de não a descaracterizar. A ideia imediata que me surgiu após a “apalpação” do local, foi a de remistura.
Pegar nos ensaios e estudos iniciais – que estiveram na origem das imagens fotográficas – e a partir deles executar um conjunto de outras imagens, desta vez desenhadas, que evidenciassem a luz e a sombra como os médiuns determinantes deste projecto, e fossem em simultâneo remixes dos temas originais, à semelhança da série da Verve, com as edições Unmixed e Remixed foi o primeiro passo.
Alterar a designação da exposição para "Sax Appeal Remix", foi o passo seguinte.

A intenção foi essa. Não sei se, aos olhos de quem presenciou, a ideia funcionou nestes termos e por conseguinte se o resultado foi plenamente alcançado. Sei, isso sim, que me deu um enorme gozo fazê-lo.

2.19.2006

Devendra (1 Artista)

Todos nós, e por este ”nós” entenda-se os apreciadores das músicas deste tempo, passamos por isto: Haver o “disco do momento”. Aquele disco que, por uma razão ou outra é mais escutado que os outros. Seja no atelier ou em casa, para acompanhar a feitura de um trabalho, o desenrolar de um projecto ou tão-só para escutar.

Ele aqui fica então o meu disco do momento: “Black Babies”















Não se trata, em absoluto, de nada do género “se fosse para uma ilha deserta e só pudesse levar 10 discos… Trata-se antes pelo contrário de um regresso ao prazer das coisas simples, na verdade, só aparentemente simples.

Se nos conseguirmos abstrair do ar messiânico do personagem Banhart, tal como tem surgido nas fotos promocionais, das hordas apostólicas que já gerou cá pelo burgo e do marketing evangelizador que o rodeia, a disponibilidade para apreciar a música será maior e isenta de preconceitos desnecessariamente redutores.

Digo isto sem quaisquer problemas, até porque não integro qualquer congregação, seja lá ela do que for. Se neste particular pertenço à imensa minoria dos que escutam Devendra Banhart é pelo inegável sensação de prazer que tal audição me transmite. Creio ser este um caso pontual e de modo algum merecedor de maiores cuidados…

Esta “onda” acústica ou semi, dificilmente simples (não nos iludamos, porque a simplicidade é muito difícil de conseguir) teve percursores como Dylan e Cohen – refiro estes para não recuar demais no tempo – mas também os que se seguiram como Tim Rose, Nick Drake, Tim Hardin, Loudon Wainwright III (precisamente… pai de Rufus) e “os” Buckley, pai e filho.

Não seria de modo algum descabido, convocar aqui Sid Barrett na qualidade de grande visionário oficiante, o que quadra bem com a postura entre o místico (a fazer lembrar Rasputine) e o onírico de Devendra, ambos com os mesmos propósitos ocultos de transformar a nossa esfera em algo senão melhor, pelo menos mais agradável de suportar

É conhecido por quem se interessa por estas coisas, que o homem não caminha só. Em termos puramente musicais e continuando a falar de coisas simples, a brecha havia sido recentemente reaberta, numa vertente menos etérea é certo, por Beck Hansen no semi-ostracizado “One foot in the grave” (retocado e polido depois em “Sea Change” e continuadamente escavada por gente como Damien Rice, Matt Elliott, Mica P. Hinson, Chris Brokow. José González e sei lá quantos mais.

Inevitavelmente acabará por suceder o que sempre sucedeu e sucederá na moldura social e global em que vivemos (agora com uma rapidez maior). A novidade de hoje será inevitavelmente descartada amanhã para ser reciclada a médio prazo sob um outro embrulho e decorada com novos adjectivos. É assim na moda, na música ou noutras artes. As economias de mercado, trituram e/ou absorvem até os fenómenos mais radicais, controversos e contestatários. Veja-se o que se passa agora mesmo com a recém elevação ao Olimpo do Dylan de “Blowing in the wind” e “The times they are changing”.

Não é minha vontade participar em novos endeusamentos pós crucificação e redenção/remissão dos antigos, Como não é minha intenção que esta prosa seja tomada por aquilo que não é. Faço questão de afirmar que esta não é, de todo a apologia do “regresso à pureza primordial” desde o episódio na maçã, protagonizado por um duo denominado Adão & Eva.

Voltando ao tema central deste texto, quero salientar que acho muito bem que Devendra Banhart desfrute a fama de que neste momento goza. Ironia das ironias é ter começado a fazê-lo pela mão do (naturalmente nascido) iconoclasta ex-Swans Michael Gira!!! Coisas do destino que também passam por atendedores de chamadas…

Não obstante a fama e o estatuto já alcançados, Banhart tem pugnado por trazer para a ribalta nomes e personagens obscuros da cena musical em compilações que organiza ou inspira. Por essa via é dado conhecer à “imensa minoria” que o segue e aprecia, músicos que de outro modo seriam do conhecimento exclusivo de uma minoria ainda mais imensa.

Pode referir-se por exemplo Joanna Newsom, que já cá esteve na ZDB e no Santiago Alquimista (aqui, via Smog) ou Josephine Foster, Iron & Wine ou Little Things entre outros que integram o CD compilação de 2004 “Golden Apples of the Sun”, que não é caso único.















Para terminar, não posso deixar de referir o facto das capas dos seus discos serem da sua autoria o que não é um dado menor, e confessar que gosto muito das capas e da sua inscrição nesse universo peculiar que é o de Devendra Banhart. Claro que não seria preciso dizer que também gosto dos discos. Dos óbvios e obrigatórios, mas também deste. Especialmente este, que não é nem uma coisa nem outra e tem uma capa muito bonita.

2.10.2006

Com a devida vénia ao Luís Afonso



Também já passei por isto...

O início (do caderno)

Confesso que encaro mais esta aventura com um entusiasmo “quase” infantil (!?!), daqueles que se têm quando se recebe um brinquedo novo!

Este confessado entusiasmo, de modo algum retira seriedade à atitude e empenho neste compromisso, que é também um risco [assumido], de e com a assiduidade possível, ir preenchendo aquilo a que chamarei “carnet de voyage”.

Para o percurso não defini objectivos muito precisos, nem estabeleci planos muito rigorosos. O desígnio é fazer o caminho caminhando, segundo as premissas do poema de António Machado.

Aquilo que aqui se for escrevendo e mostrando, salvo indicação em contrário, será pois da minha autoria e responsabilidade.

Serão pois apontamentos de viagem escritos em “caderno de autor”.

Quero expressar aqui um especial agradecimento à Margarida e ao João, pois sem a sua ajuda e apoio “isto” não seria possível.

Neste espaço procurarei partilhar, mais do que exibir, trabalhos, projectos, ideias, devaneios, sonhos, fantasias… pressupondo que estes e estas interessarão a mais alguém do que a mim próprio…

As formas de expressão plástica nas suas [muitas] variantes, terão papel de destaque, com natural ênfase para a imagem, porque é nesta área que exerço a minha actividade.

As múltiplas disciplinas artísticas e as várias áreas da criação cada vez mais se interpenetram e interagem, quer entre si quer com o meio e por isso mesmo influenciam vivências e se deixam por elas influenciar, combinando e recombinando linguagens diversas.

Daí a pertinência de deixar estas páginas abertas a outras actividades, de lazer e fruição e outras manifestações de criatividade, que ao integrarem essas mesmas vivências vão fazendo e desfazendo a vasta teia de cumplicidades e afinidades em que estas se fundamentam, destruindo barreiras e alargando horizontes.

Sax Appeal Remix



Esta exposição tem como objecto o saxofone, por muitos considerado o instrumento rei no jazz, sendo por assim dizer, uma homenagem.

Partindo desta premissa e apoiado nas sonoridades de um erotismo latente, que saxofonistas como Coleman Hawkins, Ben Webster e outros produziram, ficou definida a ambiência em que o projecto se desenvolveria.

Enquanto o projecto crescia e com o intuito de acompanhar a mostra, elaborei um texto [que viria a ser publicado no programa mensal do Bartô] em que explicava os comos e porquês do que era dado ser visto e não… lido

Tudo isto porque, quando no início do mesmo, ao falar, descrever e mostrar este projecto, aquilo que para mim era evidente, não foi completamente entendido. Ou não me soube fazer entender ou o objectivo não terá sido alcançado…

Fui dizendo que este não é propriamente, ou pelo menos não é somente um trabalho fotográfico, porque as imagens que o constituem são mais desenhos de luz e sombra do que outra coisa.

Também não me propus ensaiar visitas guiadas com recurso a retóricas do género “reparem como a curvatura do instrumento acentua a sinuosa forma…” Mal estariam as imagens se não falassem por si!

As tais imagens – fotografadas que são afinal desenhos de luz e sombra são acompanhadas das respectivas tiras de contacto intervencionadas, as quais completam e evidenciam a escolha das imagens e o seu suporte analógico.

As tiras de contacto foram assinaladas, rasuradas, cobertas, riscadas com esmalte sintético e depois coladas, rasgadas, justapostas, sobrepostas, numa intervenção onde o gesto está presente, tornando-as, nestes moldes, irrepetíveis.



Tendo como ponto de partida as imagens fotográficas, apresento também desenhos que as recriam sob o mesmo [pretendido] conceito: confinar as imagens à sua essência de luz e sombra, depurando-as do acessório, mas dando em contraponto, natural relevo ao instrumento referencial deste projecto.



Resta-me acrescentar o agradecimento especial ao Pedro Barros do Bartô pelo convite que me fez para expor naquele espaço, ao staff do Chapitô pela colaboração e aos músicos actuantes na noite da inauguração – Rodrigo Amado, Alípio Carvalho e Bruno Parrinha – que entre a contenção e a deflagração, fizeram desta uma festa, uma verdadeira celebração "saxual".

(o tal texto)

ENSAIO EM TORNO DE UM SAX...

… são desenhos de luz e sombra mas são também imagens fotografadas de sons.
Não de quaisquer sons, mas de sons afagantes e afagados pelos saxofones de Ben Webster, Coleman Hawkins, Gerry Mulligan, na revisitação cálida e enfumarada de “In the wee small hours of the morning”.
Mas poderiam ser outros, todos os outros, antigos e modernos, clássicos ou contemporâneos que, com o seu fraseado sensual acentuam o erótico arredondado da linha de contorno, não mais que a fronteira entre a luz e a sombra, que o instrumento prossegue quando dá livre curso ao seu embriagante improvisar.
É afinal, citando Boris Vian, “…como no jazz, o êxtase.”

Nov. 2005 / Jan. 2006