A minha cidade é a cidade mais bonita do mundo.
Agora, com a prometida “devolução” do Cais das Colunas vai ficar ainda mais bonita.
Contudo, é com fundamentados receios que ciclicamente assisto ao relançamento da magna questão o que fazer do Terreiro do Paço. Fazer o quê? E para quê? Fechá-la ao transito aos domingos… parece-me bem, mas com que finalidade? Desertificar a Baixa ainda mais? Não permitir a circulação automóvel aos domingos é sem dúvida louvável, mas só por si é quase nada. Devolver o Terreiro do Paço aos lisboetas? Sim, sem dúvida, mas onde estão, em alternativa, os atractivos? Como chamar as pessoas a desfrutar da sua magnificência? Parecem-me excelentes as propostas do historiador Rui Tavares e do arquitecto Ricardo Carvalho explanadas num artigo de Alexandra Prado Coelho para o Ípsilon (jornal Público de 29/08/2008)… Será que quem “põe e dispõe” lhes dará ouvidos?
Tenho dúvidas…
A minha cidade é a cidade mais bonita do mundo. Não obstante o trânsito caótico, as obras intermináveis, o lixo e a sujeira acumulados e mais tudo aquilo que de negativo existe e agora não me ocorre, a minha cidade é a mais bonita do mundo.
Não sendo um todo homogéneo, sequer coeso, antes uma manta de retalhos mal cerzida onde faltam pedaços de um lado e sobram remendos de outro, tem na Baixa, o meu território de eleição, o oposto disso mesmo. De todas as zonas da cidade, aquela que melhores condições reunia para estar ordenada e organizada, era sem dúvida a Baixa. O seu traçado reticular pareceria propiciar isso mesmo, mas tal não se verifica. Anos de sucessivo desprezo (é o termo!), cuja consciência se foi lavando com a constituição (a expensas do erário público) de sucessivas e inoperantes comissões de reabilitação que tudo fizeram para nada fazer… ou fizeram muito pouco, muito pouco esse que é afinal o mínimo necessário para que tudo fique na mesma.
Verdade se diga, os alfacinhas não a têm tratado como merece. Os sucessivos governantes também não. Uns e outros não têm feito nem melhor, nem diferente.
Nada disto é novidade, como nada disto é de agora. Eça em quase tudo o que escreveu como outros antes deles e muitos outros depois, não se pouparam a zurzir os políticos de carreira e as denominadas figuras públicas que têm governado a capital ou dela têm feito trampolim para outros desígnios mais altos. É permanente a confusão entre serviço público e servirem-se do público e todos sem excepção têm sucumbido aos encantos do poder e das suas benesses, dando, pela enésima vez razão a John Emerich Edward Dalberg-Acton (1843-1902)…
Mas vivemos num país onde a esmagadora maioria das “figuras públicas” é inimputável e em que a minoria das ditas “figuras” que por qualquer obscura razão se torna repentinamente “putável” acaba em tribunal a pedir (e a receber) chorudas indemnizações do Estado, pelas perdas e danos causadas pela temporária “putabilidade”.
Apesar do que foi dito, redito e escrito, sou um apaixonado pela minha cidade e todos sabemos que, onde existe paixão, não existe razão…
Sou um apaixonado pela minha cidade e deixo-me tocar pelas razões que assistem por inteiro aos autores do livro “A nossa Lisboa”, Gustavo de Matos Sequeira e Luiz Pastor de Macedo, que numa edição de 1945, com a chancela da Portugália, que me chegou por via da “1870 Livros”, deixaram dito:
“Correram anos. Vieram malefícios dos homens e da terra; agitaram-na abalos, queimaram-na labaredas, arrasaram-na as guerras, conspurcaram-lhe a face de fealdades e arrebiques pelintras de maquilhagem. Foi sofrendo resignada. Agarrou-se bem aos seus outeiros, enlevou-se mais no rio, deixou-se beijar melhor pelo sol, embrulhou-se no manto fino da sua luz de milagre. E continuou linda.”
Citei estes autores, mas poderia citar também Cardoso Pires do seu magnífico livro sobre Lisboa. Ou ainda o Saramago da carta de amor que à cidade endereçou. Mas fico-me por aqui e reafirmo, que apesar do trânsito caótico, das obras intermináveis, do lixo e a sujeira acumulados e mais tudo aquilo que aquilo que de negativo existe e agora não me ocorre, a minha cidade é a mais bonita do mundo.
Já não é de todo a cidade dos pregões… Mas é a cidade do Fado, de todos os escritores que a reescreveram, da sardinha assada, dos eléctricos, da saudade e de mais uns quantos lugares-comuns dos quais os bem-pensantes fogem como o diabo da cruz e aos quais Olivier Rolim contrapõe: “uma cidade sem lugar-comum, seria uma cidade dispersa, absolutamente submetida ao diverso, reduzida a pó, uma cidade invisível”.
“… e outra vez te revejo, Lisboa e Tejo e tudo” assim o disse Pessoa.
Se possível com o Cais das Colunas, digo eu…