"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

9.12.2008

O tempo


Ao longo dos tempos – todos os tempos – sempre houve lugar a grandes reflexões sobre o tempo.

É possível, com alguma facilidade, efectuar uma recolha diversificada de escritos de filósofos, cientistas, escritores, artistas, ensaístas e outros pensadores, através dos quais os seus autores tentam explicar o que é o tempo, essa “coisa” instável, variável e efémera.
Obviamente que a forma como o tempo foi pensado ao longo da História não prima pela uniformidade nem pela homogeneidade tal como não o são o tempo dos relógios e o tempo da consciência.
A forma acelerada como se vive hoje em dia parece ter acentuado essa discrepância.


“Os homens que inventaram o tempo, inventaram por contraste a eternidade, mas a negação do tempo é tão vã como ele próprio. Não há passado nem futuro mas apenas uma série de presentes sucessivos, um caminho perpetuamente destruído e continuado onde todos vamos avançando”
O tempo esse grande escultor; Marguerite Yourcenar

Todos temos problemas com o tempo.
Decerto que uns mais e outros menos, mas creio que todos nos debatemos com problemas de tempo. Problemas esses que são de escassez umas vezes, de sobras noutras.

Uns correm possessos atrás do tempo com uma urgência desmedida, tratando o dito como bem essencial; outros estranhamente esbanjam-no ou tentam iludir de várias maneiras o seu penoso arrastar, porque para esses o dito não flui.

Os meus problemas com o tempo têm invariavelmente a ver com escassez.
Ando quase sempre pontualmente atrasado e mesmo assim, quando o dia acaba, é sempre mais o que fica por fazer do que aquilo que ficou feito.
Isto é assim ao fim do dia e as repercussões são sempre maiores e os efeitos mais notórios ao fim de uma semana, de um mês…

Os que (como eu) se debatem com falta de tempo – seja esta questão física ou psicológica – têm sempre a cabeça cheia de complicadas equações acerca do tempo gasto, do que falta fazer, da rentabilização do dito que se esvai inexoravelmente, indiferente a todos os cálculos e planos elaborados para retardar, ou pelo menos acompanhar, a sua marcha…

Aqueles a quem o tempo sobra, também têm problemas, mas de outra ordem, problemas esses que passam por complicadas estratégias para “matar o tempo”, a através de meios genericamente designados por passatempos onde não pode deixar de incluir a “caixa que mudou o mundo”.

Mas não é propriamente a “esse” tempo que me quero agora referir.
Uns e outros, aqueles aos quais o tempo falta e mesmo os outros a quem o tempo sobra, já passaram seguramente por estados de alma tão difíceis, tão dilacerantes, que por iniciativa própria ou por indução dos hábitos ou do muito ouvir dizer, confiaram ao tempo a tarefa de atenuar os nefastos efeitos das agruras da vida ou de penosos achaques existenciais.
Naquilo que me diz respeito, nunca fui muito bem sucedido.

“O tempo sara todas as feridas” é na minha opinião a expressão do mais refinado embuste! Não sara coisa nenhuma, não atenua nada do muito doer, se os motivos dessa dor se mantiverem vivos na memória.
Seria pois necessário que a memória colaborasse nessa grande mistificação, o que não acontece. Aí, a dor permanece, sempre viva, sempre activa, disposta a tudo para se fazer sentir, perante a silenciosa indiferença do “grande impostor”.

“Atrás do tempo tempo vem”. Que grande e inegável verdade! Mas que tempo? Outro… que outro? Se a memória persistir em reacender imagens antigas em cada gesto, objecto, situação, lugar…, numa sucessão infindável de presentes que se vão alimentando do passado e recusando ostensivamente qualquer ideia de futuro…

E assim, o “grande escultor” aí está para, a cada golpe do seu acerado cinzel, abrir novas brechas nas frágeis defesas que fomos erguendo.