"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

12.06.2009

O que faz mover o mundo...

... mas pela ordem inversa.

9.27.2009

em BRANCO


Em branco: Não escrito (*)

(*)
"Novo Dicionário da Língua Portuguesa"
Francisco Torrinha, Editorial Domingos Barreira, Porto - 1950

9.08.2009

A pé pela cidade

Andar a pé ou de transportes públicos é saudável num dos casos, cívico nos dois e extremamente útil e benéfico (por razões diferentes) em ambos.
No que ao andar a pé diz respeito, acrescentaria que, para além de um prazer passível de conter sentido estético, pode ser também um acto de higiene mental. O acto de caminhar convida à reflexão, à contemplação, à fruição, que a deslocação mecanizada o mais das vezes inviabiliza.

(…)
Através do andar, o homem começou a construir a paisagem natural que o rodeava (…) A acção de atravessar o espaço nasce da necessidade natural de mover-se com o fim de encontrar alimentos e informação indispensáveis para a sua sobrevivência. Não obstante, uma vez satisfeitas as exigências primárias, o facto de andar converteu-se em acção simbólica que permitiu que o homem habitasse o mundo.
(…)
in: Francesco Careri “Walkscapes”

No caso vertente, andar a pé é bom, não só porque – como já se disse - exercita o físico, propicia reflexão e observação como também, não provoca poluição. Poderiam ser aqui chamados alguns grandes “caminhadores” que preconizaram, praticaram e teorizaram as caminhadas como atitude estética. É o caso paradigmático de Charles Baudelaire, enquanto “flaneur”, reiterado e confirmado bastas vezes por Walter Benjamim. (*)

Diversos nomes grandes da literatura e das artes plásticas, clássicos ou contemporâneos, manifestaram-se incondicionais adeptos das caminhadas na sua componente estética, criativa, reflexiva ou interventiva. Robert Walsser no seu livro “O passeio e outras histórias” não se exime de declarar em letra de forma as virtudes do passeio a pé: “Num passeio longo e profuso ocorrem-me milhares de ideias úteis e utilizáveis. (…) Um passeio estimula-me profissionalmente, mas ao mesmo tempo dá-me pessoalmente descontracção e alegria; repousa-me, dá-me conforto e bem-estar, cons­titui um prazer e tem simultaneamente a propriedade de me espicaçar e estimular a não parar de criar, na medida em que me oferece para assunto fenómenos de valor variável, que mais tarde, em casa, elaboro com zelo e cuidado. Qualquer passeio está sempre cheio de fenómenos significativos, que vale a pena ver e sentir. Imagens, poemas vivos, encantamentos e belezas naturais, tudo isto fervilha literalmente num belo passeio, por mais pequeno que seja”.
Outros artistas e escritores, poderiam ser convocados por também eles contribuirem para a relevancia da caminhada, do passeio, no que à criatividade diz respeito. Entre estes, destacam-se Robert Smithson, Carl Andre ou Richard Long com a sua “A line made by walking”, fotografada durante uma caminhada realizada em Inglaterra, no ano de 1967.

Caminhar sempre, caminhar muito, é um óptimo pretexto para se conhecer o território ou o espírito do lugar, seja ele campo ou cidade. Qualquer pretexto é um bom pretexto, derive ele da uma pré-definida “rota dos monumentos” ou da leitura de um livro que contenha referências a um dado lugar ou uma paisagem específica (estou a lembrar-me de Saramago – o escritor - em dois casos precisos: “A história do cerco de Lisboa” e “O ano da morte de Ricardo Reis”). A comparação entre o lido e o observado, amplifica e diversifica as nossas percepções. É, asseguro, uma experiência interessantíssima que já me concedi o privilégio de experienciar.

Mas não tem necessárimanente que ser uma caminhada dirigida ou orientada. Pode ser apenas uma deriva casual, improvisada, não direccionada ou simplesmente inventada...

“Não conhecer bem os percursos de uma cidade não tem muito que se lhe diga. Perder-se, no entanto, numa cidade, tal como é possível acontecer num bosque, requer instrução” (*)

8.16.2009

O que aí vem…

Vamos ser confrontados muito proximamente, com dois actos eleitorais da maior importância para o país. É nessa condição que não me esquivo a manifestar opinião.

As eleições legislativas e autárquicas têm, cada uma delas, propósitos muito diferentes e finalidades muito distintas, mas estou em crer que as suas especificidades se irão diluir e deixar triturar nos rituais ruidosos e frenéticos em que as campanhas se tornaram. Aquilo que se discute ou está presente, nestas, raramente são os programas que cada força política se propõe (ou não) cumprir, mas as mirabolantes promessas que cada partido ou candidato, nestas alturas resolve alardear e amplificar. Isto para não falar em tudo o que antes ficou por fazer, mas que cada um à sua maneira se compromete realizar agora, sem explicar porque o não fez antes, e como irá conseguir faze-lo agora…

Época de promessas por excelência, é aquilo que aí vem, e é tão fácil prometer, quando não se tem (a maioria das vezes) a mínima intenção de cumprir… Como esquecer a tão clarificadora passagem do livro “Memórias de Adriano” de Marguerite Yourcenar:

“O mais difícil foi persuadir Osroés de que se fazia poucas promessas era porque tencionava cumpri-las”

Mas os tempos são outros e ninguém está interessado numa campanha séria. O importante é prometer, não importa o quê. Quanto ao cumprimento, conta-se sempre com o que de curto a memória tem. Se assim não fosse, o circo não estaria montado a horas do espectáculo e o espectáculo já começou…

Vieram agora a público os números oficiais da última votação (para o Parlamento Europeu): Um em cada três eleitores não votou! A classe política estremeceu, os oráculos já pronunciaram, as luminárias do costume já decretaram. Há que tomar medidas.

Mas aos políticos (quase todos) não passa pela cabeça a moralização da classe, através da alteração dos hábitos, práticas e posturas… nada disso. Não se lhes desenha na mente ter comportamentos sérios, consentâneos com a dignidade dos cargos para que foram eleitos. Porque se assim fosse - e só como case study vale a pena referir isto - o partido no poder com a maioria absoluta de que dispõe, teria viabilizado as propostas de lei anti-corrupção que o seu deputado (agora exilado em Bruxelas) João Cravinho tentou fazer aprovar no parlamento. Tal lei, se eventualmente fosse aprovada, implicaria uma gigantesca operação de “higiene e limpeza” que parece não agradar a ninguém.

“Á mulher de César não basta ser séria. Tem de parecê-lo”. Esta frase célebre, importada da Roma antiga (muito anterior a Berlusconi…), adapta-se perfeitamente ao cenário político nacional. Por estas latitudes, o que se observa não é, nem uma coisa nem a outra, antes o contrário de ambas. Isaltinos, Loureiros, Felgueiras, Valentins e outros (muitos) mais, aí estão a comprová-lo, sem (quase) ninguém a reprová-lo e isso não deixa de ser espantoso! Claro que não se trata de querer substituir pela “praça pública” os tribunais a quem cabe por direito pronunciar juízos, mas a vergonha e o decoro são do foro da ética, não da justiça e uma como a outra, em Portugal não funcionam ou funcionam mal. Mas o espanto não se fica por aqui. Quando se pensa que já se viu e ouviu tudo, a nossa classe política e a corte de comentadores da dita volta a espantar-nos. Os que se consideram mais sérios e impolutos do que os demais também afinam pelo diapasão da falta de culpa formalizada!?! Jerónimo de Sousa, Pacheco Pereira, Francisco Louçã, Pulido Valente fazem coro com os demais… não se horrorizam, não se arrepiam, não se repugnam, que suspeitos e arguidos por aí andem impunemente a lutar pela impunidade ou a traficar responsabilidade que lhes garanta a imunidade … Fantástico, assim já sabemos com o que contamos! No dizer de Shakespeare “algo está podre no reino da Dinamarca”. Aqui, não parece, embora cheire.

Retomando o tema eleições, aos políticos de carreira, como se disse, não ocorre a que a ausência dos eleitores pode provir precisamente do descrédito que o seu comportamento provoca no cidadão comum. Daí a surgirem propostas como a de Carlos César (Presidente do Governo Regional dos Açores) que vêm na obrigatoriedade do voto a panaceia que ao regime resta para combater a abstenção. Tornar ou não o voto obrigatório, eis a questão.

Ninguém se indignou, ninguém se revoltou. Timidamente, o ex-presidente Jorge Sampaio veio a público dizer que o tema deveria ser estudado e debatido… Com franqueza, um e outro só podem estar a brincar ou talvez não e nestas tristes cabeças só nasçam pobres ideias como esta, para por a democracia a funcionar. De uma assentada, substitui-se o chamado “dever cívico” pela obrigação compulsiva. Como concretizariam isto não sei, nem quero imaginar. Se isto fosse avante, seguir-se-ia a punição dos votantes do branco e do nulo, provavelmente

A nenhuma destas cabeças formatadamente pensantes, em algum momento ocorreu que o desinteresse e o alheamento radicam nos próprios políticos e no seu desempenho, nas políticas que implementam, no sistema político de que se servem. Que o problema não está nas férias, nos feriados, ou no que quer que seja que queiram aventar ou inventar, que tudo tem a ver com o sistema que se instalou, com os vícios, a impunidade e as teias e conivências que forjou, e com a ideia de impotência que nas pessoas se gerou.

Obviamente que comungo da ideia de Churchill – um dos arquitectos do moderno edifício democrático em que vivemos – de que “a democracia é o pior de todos os sistemas políticos, com excepção de todos os outros”. Mas esta comunhão de opiniões não pode nem deve configurar uma aceitação passiva dos malefícios de que o nosso sistema político enferma. Como não deve nem pode ser impeditivo de movimentos de resistência – por vezes espontâneos que se geram – e a democracia tem dificuldade em digerir.

Quem não se lembra da celeuma levantada pelo “Ensaio sobre a Lucidez” de Saramago? Quem não recorda como os políticos do sistema se horrorizaram com a “epidemia branca” e o pretenso – subjacente ao livro - apelo do escritor ao voto em branco? Felizmente, para o bem comum, que Saramago se redimiu e recolheu ao redil, se conformou e confinou nos termos do negócio feito com a autarquia da capital e passou a celebrar e entusiasmar com as propostas do edil. Palavras para quê? È só mais um Zé que…

O Saramago escritor faz falta. O outro Saramago, nem por isso. Isto tem nome, chama-se tolerância, que é algo que faz mais falta do que todos os zés, sejam eles quais forem, nobeis ou não.

Impossível não recordar também aqui Solnado e o impagável refrão: “Senhor estou farto, Senhor estou farto!” Porque estou efectivamente farto.

Farto dos carreiristas oportunistas, que acusam os não votantes de demissionários, quando não de reaccionários, vociferando que não foi para isto que se lutou pela liberdade…

A liberdade, não pertence a ninguém. Não tem donos nem aferidores. A liberdade não deve excluir aqueles que não se revêem nestas fórmulas gastas e estafadas que ninguém tem a ousadia de querer regenerar. A verdadeira política, nas palavras de Jacques Rancière, faz-se no dissenso entre diferentes, entre as singularidades.

Tenho – como se terá evidenciado – uma opinião muito negativa sobre os políticas e a política que temos e estará “por nascer” aquele ou aquela que me farão mudar de opinião.

Até lá, vou continuar a dizer não!

An attitude is a little thing that makes a big difference” Churchill dixit.

Vamos a votos, ou vamos a vómitos?



8.09.2009

+ Polaroid

O mundo já deu muitas voltas, desde que Edwin Land inventou, nos anos 40 do século XX, o filme instantâneo e dará certamente muitas mais. Terá sido numa dessas muita voltas que apanhou de surpresa Florian Kaps, um entusiasta da marca e do conceito, que se propõe proceder à ressurreição da Polaroid. Para o efeito, alugou as antigas instalações da fábrica da Holanda e adquiriu a maquinaria aí existente. Agora, em conjunto com antigos engenheiros e trabalhadores da fábrica holandesa, procurará “reinventar” a fórmula mágica que permitia introduzir um mini-laboratório fotográfico (papel, revlelador, fixador…) em cada rectângulo de plástico.

O actual presidente da empresa, Tom Petters é o detentor da propriedade intelectual e dos bens da Polaroid. Foi dele que partiu a decisão de deixar de fabricar os produtos que até aí tinham constituído a sua razão de ser. A sua ambição imediata, passa por transformar uma empresa única no meio fotográfico analógico, em mais uma das muitas que inundam o mercado do digital!

Creio que as hipóteses de negócio no universo do analógico não estão esgotadas. A provar esta tese, temos o retorno em força do vinil e a permanência da Lomo em plena actividade. Os nichos de mercado que alimentam este tipo de negócios cultivam conceitos, os quais no caso da Polaroid não precisam de ser inventados. Os esforços de Florian Kaps em “ressuscitar” a Polaroid tal como a conhecemos, dirigem-se certamente a um nicho de mercado, mas ainda assim, um nicho diferenciado e um tanto ou quanto alargado. Estimam-se que existam no mundo, mil milhões de câmaras Polaroid (eu só tenho quatro !?!) e é mais do que provável que deste número só uma ínfima parte esteja activa. Ainda assim, trata-se de uma aposta na diferença, uma vez que, fabricar Polaroids digitais (como pretende Tom Petters), pareça um tanto ou quanto descabido e pouco concorrencial, num universo onde estão instalados fabricantes de prestígio que dividem entre si apertadas cotas de mercado.

A Polaroid estará certamente de volta. Como? Ainda não se sabe…

8.02.2009

Tagarelice...


A utilização de transporte públicos tem vantagens inestimáveis. Andar a pé, também, mas fiquemo-nos agora pelas virtualidades dos transportes públicos. As inúmeras vantagens que se extraem da utilização dos ditos, prendem-se com motivos que o senso comum rapidamente apreende e faz seus – com razão, diga-se – como sejam o contributo para a diminuição dos níveis de CO2. Esta razão, só por si devia mobilizar, sem reticências os cidadãos e levá-los a trocar o transporte individual – egoísta, poluidor e entupidor das artérias das cidades – inúmeras vezes abusivo e desnecessário. A praga dos automóveis nas ruas, é mau para quase tudo… para quem circula nos transportes públicos porque dificulta a progressão destes, para quem anda a pé porque (quantas vezes indevidamente estacionados) dificultam ou impedem a circulação, para quem quer admirar, desfrutar ou fotografar a cidade porque o mais das vezes são “ruído” (em sentido lato…) ou poluição (em sentido lato…) visual nas imagens que se captam.

Entretanto perdi-me e já não sei porque é que tudo isto começou!?!

Os transportes públicos, pois… como os cafés-cafés (espécie em extinção, é bom recordá-lo) ou outros lugares públicos são óptimas fontes de inspiração ou recolha de material para escritores e outros observadores. São óptimos locais para ouvir a tagarelice, escutar a opinião pública (porque falham tanto as empresas de sondagens?), para escutar notícias “em primeira mão”, para a bisbilhotice, o diz-que-disse, para fazer propagar boatos e amplificá-los, enfim, também tem destas coisas e temos que saber viver com elas. Assunto recorrente, para além das atribulações do defeso futebolístico, tem sido a gripe A. Não existe quase ninguém que não conheça alguém que a tenha sem contudo perder a dose de desdém e displicência que estas coisas merecem ao cidadão comum descrente em pandemias como nas bonomias do sistema político e dos resultados dos próximos actos eleitorais.

Um dia destes escutei no metro, uma conversa intrigante de três senhoras aconchegadas num daqueles bancos corridos do meio das carruagens. Devo dizer que não me pus à escuta. Simplesmente ouvi porque as senhoras não faziam segredo do seu dizer e eu sentado em frente, não me impedi de ouvir. Verdade se acrescente que a conversa me interessou por nunca antes ter, antes, pensado no assunto. As referidas senhoras regressavam de um funeral e a conversa que mantinham versava a curiosidade manifesta de assistirem a tantos funerais e nunca terem visto o funeral de um chinês. As hipóteses que colocavam para o sucessivo raiava o surrealista e o mirabolante… se uma aventava que os congelavam e devolviam à procedência, outra sugeria (tinha-lhe dito o neto bem informado) que os embalsamavam e sentavam na sala frente ao televisor. A terceira, bem quanto a essa, abstenho-me de relatar aqui, aquilo que apontava como procedimento seguro dos descendentes em relação ao falecido.

Para concluir, não creio que esta conversa tivesse motivações xenófobas – aquela desconfiança, aquele temor pelo que é incomum e vem do exterior – que invariavelmente descambam em racismo. Acho que era mais curiosidade mórbida do que outra coisa… tal como a minha.

7.05.2009

Uma questão de cromossomas


É corrente ouvir-se falar de “falta de homens”…

Isto não é uma metáfora pela simples razão desta manifesta “falta”, não se referir só a homens com H. Homens capazes de enfrentar adversidades, solucionar problemas, pacificar contendas, resolver situações complexas, praticar actos heróicos. Quando se ouve falar em falta de homens com H, a referência são os homens com fibra, homens de antes quebrar do que torcer, de barba rija, onde uma heterossexualidade manifesta (para não dizer outra coisa) é cartão-de-visita. Estes saudosos homens com H, são também invariavelmente homens de outras eras, de elevada tempera, daqueles que já não se fabricam… capazes do melhor e do pior, tanto erguiam impérios como dizimavam nações, sempre em nome de elevados ideais, quando não de desígnios ancestrais, mas isso é outra conversa.

Muito embora possa haver falta destes tais homens (com H), a falta é extensível aos outros (com h). Aquilo de que há – mesmo - efectivamente falta, é de homens em geral.

O cromossoma Y está em franco declínio e comprovada queda. É uma verdade científica asseverada pela geneticista australiana Jennifer Graves, que estudando o assunto verificou também que o dito cromossoma (que determina o sexo masculino nos seres humanos) tinha há 300 milhões de anos 1400 genes, tendo actualmente apenas 45. A verificar-se a continuidade de ritmo da tendência, uns míseros 10 milhões de anos serão suficientes para acabar com eles…

Entre os homens (os tais deficitários e não só numericamente) e eu conheço alguns, o assunto preocupa sobremaneira. Não que os afecte a preservação da espécie mas a proliferação do sexo oposto, por tudo quanto é sítio… “é vê-las em bando nos restaurantes, nos bares, nos cafés, nos cinemas, nos empregos, nas faculdades…”. Por entre insinuações torpes e grosseiras, pior que tudo, será o ter que aceitá-las em cargos de chefia e no desempenho de funções até há bem pouco tempo destinadas aos homens. Aquilo que antes era impensável, agora incomoda…

As mulheres são mais subtis e sofisticadas na observação da situação… confidenciava-me uma amiga a propósito da falta de homens que não há homens interessantes disponíveis, que os homens interessantes que conhece, ou são casados, ou são gays… ou então padres, que é uma forma de não ser nem uma coisa nem outra – em teoria – mantendo a indisponibilidade… Talvez que estes sejam ainda em menor número que os outros, isso não sei avaliar, nem sei que tamanho de h esteja reservado a este tipo de homens, mas suponho que muito pequenino se for efectiva a exiguidade do género…

Com ou sem chauvinismos fingidos ou homofobias acentuadas, com um H destes ou de qualquer outra dimensão, parece que o extermínio está assegurado. A falta vai fazer-se sentir – sejam os homens qualificáveis em interessantes ou desinteressantes - de forma acentuada. Vamos mesmo desaparecer todos…

…e então um mundo novo surgirá!

6.23.2009

Rua dos Douradores

De todos os Personagens que Fernando Pessoa animou, é-me particularmente caro (e próximo) Bernardo Soares, que Pessoa “encontrou” por acaso numa sobreloja de restaurante caseiro na Baixa de Lisboa, presumivelmente na Rua dos Douradores – onde vivia e trabalhava - na qual e nas palavras atribuídas ao próprio “enfim, também há universo¹”.

Universo enfim, ficou escrito para a posteridade, num livro que Pessoa deixou profusamente anotado e inacabado, tendo apenas sido publicado em vida do poeta, um primeiro fragmento intitulado em jeito de premonição “Na floresta do alheamento”. Numa fase de semi-alheamento em que me desleixo a vaguear, tomam-me pensamentos emprestados em vejo uma Rua que oscila em tons de azul e verde, como o céu que a coroa e o rio que se adivinha em fundo, constituindo afinal tudo isto um mundo onde o sol também marca presença invulgar, fazendo apetecer a expressão de Bernardo Soares “Oh, Lisboa, meu lar!²”.

Curiosamente, ou talvez não, Pessoa definia Bernardo Soares como um “semi-heterónimo que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos³” que por sua vez era na essência o poeta da modernidade mas também o poeta da cidade. A cidade que amava e eu amo, a cidade que inventava e eu invento, a rua que sonhava e eu sonho.

Fingidor e sonhador assumido que era, Fernando Pessoa fingia e sonhava por ele e pelos outros num desassossego tremendo, extensível a Bernardo Soares que misturando a arte e a vida não se inibia de proclamar que “se tivesse o mundo na mão, trocava-o, estou certo por um bilhete para a Rua dos Douradores”. Como eu o compreendo, eu que também sonhei e sonho ter um dia um escritório e uma morada na Rua dos Douradores para que a arte e a vida mais do que se contemplarem, mais do que se completarem, se cumpram.


1 – “Livro do Desassossego” por Bernardo Soares

2 – Idem

3 - Fernando Pessoa, carta a Adolfo Casais Monteiro, 1935

4 - “Livro do Desassossego” por Bernardo Soares

6.13.2009

13 de Junho

Hoje é dia de mais um aniversário de Pessoa.
Tanto quanto me apercebo, não haverá grandes comemorações. Existe o hábito (ignoro a razão) de só se comemorarem números redondos e datas pares. Quando tal acontece, parece que se aproveita para colmatar as ausências nas datas intercalares, onde as respectivas comemorações não tiveram lugar. Haja paciência e esperança de vida porque os 121 anos não são para celebrar.
E também sardinha assada e marchas populares. Este ano com a novidade: A Baixa teve uma marcha! Espantoso, não fosse o humor negro subjacente à curiosidade acerca de quem irá desfilar... Casamentos e Santos Populares. Tradições... umas fundamentadas, outras inventadas, elas aí estão.
Pessoa (quase) não.
O poeta ficará para depois. Quando houver tempo ou for preciso, porque não cabe nestes festejos o seu ar sisudo e circunspecto de quem não acha graça a nada nem a coisa nenhuma. Isto de viver e/a sonhar tem destas coisas. Faz cansar, como deixou dito Álvaro de Campos:
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço
Cansaço também porque Fernando António era uma pessoa que não cabia dentro dos estreitos limites de si próprio. Era demasiado para ser um só. Foi vários o suficiente e tão intensamente que se afirmou único. Os muitos heterónimos a que deu vida - muitos mais do que a celebrada "santíssima trindade" - confirmam esse prolixo extravasar.
Ontem foi noite de festa... talvez o Bernardo Soares (o tal que vivia e trabalhava na Rua dos Douradores) tenha saído do seu recolhimento e ido à Avenida espreitar os seus "vizinhos" a desfilar para depois, muito ao seu jeito, se recatar "Na floresta do alheamento".

6.06.2009

M de metade

São quatro da madrugada, de mais uma noite de insónia, e dou comigo a pensar que metade da noite de sono de uma pessoa normal já se foi… associo ideias, entrelaço palavras em alternativa ao exercício de decifração dos vários ruídos que a noite produz e a escuridão amplifica.
As palavras vão-se cruzando, associando, em alegre devaneio.
A ideia de metade, associada à noite é perfeitamente inofensiva… associada às palavras é completamente destrutiva.

Detesto meias-palavras, meias-tintas!
Acho nojento o facto sugerido, a carta sem remetente, o telefonema anónimo, o gesto não conclusivo.
Não suporto a expressão conspirativa “cala-te boca…” de quem sugere saber muito mais do que aquilo que diz… expressão assassina tendente a trucidar pela insinuação aquilo que carece de fundamentação… “sabe muito bem do que estou a falar”…
Quem faz isto, pode sempre recuar, dizer que não disse ou afirmar que foi mal interpretado, mas a dúvida já se instalou.
É precisamente esse o problema.
Dar a entender, sugerir, subentender… “Para bom entendedor”…


… e eu que não sou bom entendedor, antes pelo contrário. Quero ouvir tudo, do princípio até ao fim. Meias-palavras não me bastam. Para o melhor e para o pior, quero as palavras todas! Inteiras, completas
Que raio de coisa genética esta de não se assumirem…
Responsabilizem-se de forma completa e efectiva pelo que querem dizer, sem possibilidade de recuo.
Não é por acaso que se proclama que “é no meio que está a virtude”.
Qual virtude? A do vómito feito de meias-verdades, meias-palavras, proferidas num insidioso sussurro?
Estas metades, não são economia de meios, são a repugnante argamassa que consolida a relação entre emissor e receptor. O que diz e o que acolhe, entendendo-se neste terreno pantanoso das metades, que não é rejeitado, combatido, ostracizado, mas antes enaltecido e louvado.

Prefiro que não me digam nada.

5.30.2009

+ Histórias por Contar

(…)
O paradoxo do instante não é o de acabar quando surge.
Esse
dever o impomos nós ao “banal” instante”, talhado na peça
imaginariamente substancial do Tempo. O paradoxo do instante
é o de nunca ter principiado e
não ter fim.
(…)

Eduardo Lourenço




Esta série - Histórias por Contar - foi sendo construída a partir de negativos que por uma razão ou outra me escolheram como fiel depositário. Salvaguardadas as identidades que desconheço, as privacidades que respeito e os percursos de vida que ignoro, interessou-me apenas a matéria plástica das imagens e a coreografia que as mesmas proporcionaram a partir de uma intervenção directa sobre a película.
Ao fazer minhas estas imagens num processo gradual de apropriação, procuro ater-me ao pressuposto definidor do momento fotográfico, o qual passa por ser o registo de um lapso de tempo que, terá sido precedido de um “antes” e terá forçosamente originado um “depois”.
Sobre estas imagens, só sei aquilo que vejo e a minha imaginação me permita conjecturar. Pura especulação portanto. Desconhecedor das condições em que foram obtidas, das motivações do(s) seu(s) autor(es), atraem-me sobretudo pelas suas potencialidades plásticas e surpreendem-me pelo desconhecimento da sua razão de ser… atracção essa que encontra eco no dizer de Barthes, “uma fotografia torna-se ‘surpreendente’, a partir do momento em que não se sabe porque foi tirada”.
Se numa imagem produzida por mim, posso ter a veleidade (se a memória não me atraiçoar) de ser conhecedor desse precedente “antes” e do consequente “depois”, tal não sucede no caso destas imagens.
Numa posição de autor acidental, mas também de espectador ocasional, a minha situação é idêntica à de qualquer observador: só detenho este instante. O resto posso sempre tentar inventar, compor um “antes” e um “depois” nos quais este “durante” possa participar.
As histórias…fica ao cuidado de cada um tentar contá-las.
NB (em exposição até 31 de Julho na Galeria Kabuki; mais informações em www.kabuki.pt)

5.24.2009

o “meu” cão que nunca tive

(excerto de metanarrativa ficcional)


(…)
- Olha! Agora tens um cão?
- Não, não tenho cão.
- Mas vejo-te com um!?
- Pois…
- Então? Tens cão ou não tens cão?
- Não, não tenho cão.
- Mas passeias um cão!?!
- Por vezes passeio um gato…
- Brincas! Se não tens cão, porque passeias um?
- Porque não é seguro que o cão se passeie a si próprio…
- Porra pá! Não se pode falar contigo.
- Isso não é verdade… se assim fosse esta conversa não estaria a decorrer…
- Conversa, dizes tu… Mas afinal, se o cão não é teu, é de quem?
- Se era apenas isso que te interessava saber, podias ter começado por aí…
- Realmente!? Só mesmo tu… podias ter dito logo de quem era o cão...
- Mas não foi isso que tu perguntaste. Porque haveria de responder a uma pergunta que não fizeste?
- Sei lá… era a coisa mais normal, não?
- Áh! Sim, a normalidade… já cá faltava…
- És impossível… olha, gosto em ver-te.
- Igualmente.
(…)

5.19.2009

A gripe A

Estou constipado.
Já é a terceira vez este ano que tal me acontece. Isto pouco ou nenhum interesse teria, e só por si não mereceria ser motivo de conversa, reconheço. Mas… se calhar não é só constipação… dores de cabeça, nas articulações, dificuldades respiratórias, olhos pesados e mais uns quantos sintomas do costume…

Gripe? Talvez…
Do tipo A? É mais do que provável.
Não vim do México nem de outro lado qualquer, como também não conto ir para lado nenhum, excepção talvez para o aconchego do Inferno se as suspeitas se confirmarem.
Era só o que me faltava, a “gripe dos porcos”.

Efectivamente... e se dúvidas restassem, o que se relata a seguir deveria acabar com elas. A gripe que aí anda é mesmo dos porcos…

Senão vejamos: Um grupo de norte-americanos começou por debater on-line a peregrina ideia de organizar umas “swine flu parties”, onde os participantes trocariam entre si perdigotos na esperança de, estando presente um infectado com o vírus H1N1, pudessem também eles contrair a infecção!!! Poderia ser anedota glosando a ingenuidade e proverbial patetice que daquelas paragens amiúde nos chegam amostras, mas não. Segundo aparece, tal porcaria tem uma certa lógica já legitimada por alguns especialistas, segundo os quais mais vale ser contaminado agora, do que mais tarde quando o vírus e as suas esperadas mutações se tiverem disseminado e provocado o descontrolo da situação, e enfim o caos…

Não fora a gripe dos porcos, e em vez de perdigotos poderiam trocar beijos, forma bem mais doce de provocar contágio…
Falando agora de números, estes são verdadeiramente impressionantes. Até ontem, tinham sido identificadas 8451 pessoas infectadas com a gripe A (H1N1) em 34 países, aumentando este número à razão de um milhar por dia. Comprovadamente, esta maleita já provocou a morte a 72 pessoas. Segundo algumas organizações internacionais, o pior poderá estar para vir e a O.M.S. prepara-se para elevar o nível de alarme para o grau seis, o que equivale a declarar uma pandemia.

Portugal – eterno retardatário, para o melhor e para o pior – só registou (ou confirmou?) até agora um caso de gripe do tipo A.

Por mera e desinteressada curiosidade fui saber “comos e porquês” e espantei-me com os números. A vulgar gripe sazonal matou mais de 1.900 pessoas este Inverno em Portugal. Estes são números revelados pelo Director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical. O mesmo senhor, Jorge Torgal, avançou com a estimativa de – caso não surja uma nova vacina – morte de 75.000 pessoas, só no nosso país, que o vírus H1N1 – o tal da gripe tipo A - poderá provocar!
Para terminar, quero deixar dito que a frieza destes números me deixa de tal maneira gelado que, atendendo ao estado das coisas, este blog poderá não durar muito…




5.10.2009

sax symbol

É afinal, citando Boris Vian, “…como no jazz, o êxtase.”

Com esta frase se conclui por aqui, tempos atrás, um texto alusivo a um projecto denominado “Sax Appeal” que despontou (e se mostrou em 2005) no Catacumbas Jazz Bar e posteriormente circulou por vários locais em versões diversas.
Se na altura fez sentido chamar a terreiro Boris Vian por via daquela frase letal e da sua ligação ao jazz - nada circunstancial (Vian foi, para além de muito mais, trompetista), hoje por maioria de razão, se evoca de novo a expressão... Por entre livros e mais livros se resolveu mostrar, uma espécie de retomar da temática “saxual” que não se esgotara e se julgou oportuno agora retomar. Não sendo uma saga – muito longe desse intuito – nem uma reconstituição, é muito mais a continuação, um pegar após uma interrupção. Para isso, nada melhor que um território de eleição, um lugar como a Trama para albergar esta exposição.

Aqui está de novo o saxofone. Instrumento que desde a sua existência não foi muito considerado como solista, diluindo-se por assim dizer, de forma anónima por entre os metais das grandes orquestras. Foi no jazz que encontrou o seu espaço, foi através do jazz que se afirmou como solista, foi pelo jazz que conquistou o estatuto de símbolo.

A primeira realização constituiu-se como uma mostra fotográfica, posteriormente ampliada com desenhos que de algum modo replicavam, sobre outros suportes e diversos materiais, as imagens primordiais. O que agora se expõe são também fotografias e desenhos mas em técnicas e suportes diferenciados que através da cumplicidades com objectos, procuram “atar as pontas soltas” do antes com o agora, entretecendo um improvisado diálogo, sob a sombra tutelar do SAX.

4.10.2009

Afinidades Electivas

Decorreu no passado fim-de-semana a inauguração de uma exposição em que a fotografia marcou presença.

Afinidade (electivas), título “aproveitado” de um livro homónimo de J. W. Goethe[1], faz também seu, o conceito subjacente à referida obra: “A expressão “afinidades electivas”, em química designa um processo no qual os elementos presentes, de acordo com o grau das suas afinidades podem estabelecer ou desfazer ligações nos compostos tradicionais e encetar um processo de escolha “livre” de novas combinações. Este colectivo improvisado que aqui se expõe, estabeleceu-se também ele a partir da livre combinação de sensibilidades. Em fotografia ou a partir dela, se constitui o conjunto de trabalhos apresentados, que reflectem um olhar não só individualizado mas também filtrado pela forma como cada um se posiciona no campo da arte”[2].
Do material exposto pela Alice, o Mourato ou a Emília, dá conta a notícia publicada pela Rádio Elvas no seu site: http://www.radioelvas.com/album682.html

Os trabalhos que ali exponho, são de natureza diferente e integram duas séries que têm vindo a ser desenvolvidas desde 2007:

Um museu imaginário
Série, que se foi edificando a partir do postulado por André Malraux no seu livro “Museu Imaginário” - onde o título se inspira -, sem perder de vista a “boîte en valise” (o museu transportável) de Duchamp. Entre similaridade e diferenciação se foram aglutinando imagens e objectos eminentemente fotográficos que estimulam memórias e convocam referências propiciando efabulações de tendência museológica.

Histórias por contar
Série que foi sendo construída a partir de negativos isolados que, por estranhas motivações me escolheram como fiel depositário. A preocupação em salvaguardar identidades que desconheço, privacidades que respeito e percursos de vida que ignoro, não inibiu o interesse pela matéria plástica das imagens e a coreografia que as mesmas proporcionam, conduzindo a uma apropriação intervencionada, na qual se procurou deixar marcas de autoria. As histórias, essas ficam ao critério de cada um contá-las…



[1] “As afinidades electivas” obras escolhidas de Goethe, vol. 4, Relógio d’Água Editores, Lisboa 1999
[2] da “brochura” publicada

3.30.2009

“A origem de tudo…”


Na origem de mais uma provincial polémica esteve a reprodução de uma tela de Gustave Courbet pintada, imagine-se em 1866.

A dita tela teve desde o princípio uma existência atribulada. Foi pintada por encomenda do embaixador turco em França (à época, obviamente). O referido embaixador coleccionava quadros onde a lascívia era presença obrigatória. O quadro de Courbet era parte da colecção e encontrava-se oculto por outra tela e só era mostrado e um círculo íntimo e em ocasiões especiais. Depois do tal embaixador, andou por outras mãos, numa existência que se pautava pela semi-clandestinidade até chegar – por aquisição - à posse do psicanalista Jacques Lacan e por morte deste, doado ao estado francês podendo agora ser visto, sem impedimentos nem constrangimentos no Museu D’Orsay.

“A origem do mundo” tem mais de cem anos de existência e apenas um decénio de exibição pública…


Eis senão quando, aparece exposto – na via pública – em Braga, na capa de um livro, numa feira de saldos. Tanto bastou para que surgisse a controvérsia… almas mais impolutas e puritanas alardearam bem alto o seu incómodo por tão despudorada exposição. Chamada a polícia – zelosa e cumpridora – lá foram os livros apreendidos e a reprodução d”A origem do mundo” arrecadada.
O conteúdo do livro nunca esteve em causa. A razão de ser da celeuma era apenas a capa.
Edificante!

Um pouco atabalhoadamente chegaram as explicações oficiais… os livros foram apreendidos porque se temia uma alteração da ordem pública por parte dos incomodados e ofendidos por tão ignominiosa mostra daquilo que só no recato deve estar… Esta ridícula situação e a caricata atitude despoletada por uma capa de livro, são afinal fruto e produto do mesmo provincianismo que anos antes fizera sair à rua as famigeradas “mães de Bragança” em tonitruante invectivação contra “as brasileiras” dos bares de alterne que lhes desviavam os maridos, sabe-se lá com que artes demoníacas que serão certamente aparentadas com as artes de Courbet…


3.21.2009

"Oh, Lisboa, meu lar"

Inaugurou no passado dia 18 a exposição de pintura e desenho “Oh, Lisboa, meu lar”.
A dita exposição vai permanecer no Edifício Central do Município (ao Campo Grande) até 31 de Março.
Constituída por 17 telas e 4 desenhos, documenta uma possível deriva pelo bonito centro histórico da mais bonita cidade do mundo – a Baixa-Chiado – indubitavelmente o lugar da memória e de referência no universo tangível e literário de Fernando Pessoa.


Como pensar Lisboa sem pensar em Pessoa?

Homenagear Lisboa e homenagear Pessoa…

Eis a presunção que animou todo o construir e montar desta exposição.
À data da inauguração, poderia ter dito que passavam 120 anos, 9 meses, 5 dias, 1 hora e 40 minutos sobre o nascimento do poeta, na fora os anos bissextos baralharem todas estas contas… Por tal razão, não o disse como não realizei nenhuma comemoração especial nos “exactos” 120 anos do seu oficial nascimento. Também se pode adiantar, que por essa altura difícil era encontrar instituição que não o tivesse feito… Contrariando a tendência para comemorar datas “redondas”, esta comemoração aqui fica.




2.21.2009

Desmandos...


Aqui fica mais uma estória edificante que atesta na perfeição a qualidade dos políticos e das instituições que estes tutelam. Aqui ficam alguns acontecimentos e as perguntas que os mesmos suscitam ao comum cidadão perplexo…

A estória começa assim:

Era uma vez uma moradia no Restelo, projectada nos anos 50 do século passado pelo arquitecto António Varela. A dita moradia tem, como particularidade mais marcante, um conjunto de painéis de azulejo – no exterior e no interior – da autoria de Almada Negreiros. Os referidos painéis encontram-se referenciados e estão classificados no inventário municipal do património com a designação de património integrado o que implica que todo o edifício que os acolhe esteja abrangido e que os painéis não possam ser dele retirados. Mas tem mais… Estes painéis de azulejo da autoria de Almada, constam de um levantamento da arquitectura portuguesa do século XX realizado sob os auspícios da Ordem dos Arquitectos e fazem parte da lista do Docomomo (organização que subsidia a documentação e conservação de manifestações do movimento moderno em arquitectura). Segundo os entendidos, estes painéis são especiais na medida em que foram concebidos numa altura muito especial do percurso artístico do autor, uma fase de grande actividade criativa, antecedendo cronologicamente o enorme painel existente no átrio da Gulbenkian.

Acontece que:

Apesar da moradia se encontrar numa zona especial de protecção de vários imóveis classificados e de ela própria estar “protegida” por legislação específica em virtude de conter os tais painéis, os actuais proprietários avançaram o mês passado com um pedido de demolição que a CML aceitou apreciar sem questionar… No entanto e sem dar sequer tempo de resposta e perante a indiferença e o imobilismo das várias tutelas, a mando dos proprietários, um dos painéis já foi completamente removido e não se encontra no sequer no local, nem se sabe onde estará! Não fora a imediata e ruidosa denúncia do Movimento Cidadãos por Lisboa (honra lhes seja feita) e teria acontecido a remoção total. Confrontado com esta situação e a denúncia formal a CML decidiu (finalmente) tomar medidas e enviar a Polícia Municipal para evitar maiores danos.

Tudo isto para dizer que:

Perante as trapalhadas habituais e as trocas de acusações naturais, tudo vai ficar na mesma e ninguém vai ser responsabilizado. Quem autorizou, permitiu, ignorou ou esqueceu o quê, é algo que nunca se vai apurar. Os suspeitos do costume (leia-se Ministério da Cultura, Igespar, vereação da cultura da CML, o Zé e tudo à volta) não só não tomaram posição firme nem atitude sólida como vão esconder-se uns atrás dos outros e todos ficarão impunes.

Moral da estória e consequentes perguntas:

Este governo tem um Ministério da Cultura? Este Ministério da Cultura tem ministro? O Igespar existe? O Igespar tem director? O Igespar funciona? A CML ainda tem vereadora da cultura? O presidente da autarquia além de pintar passadeiras (actividade legítima) sabe o que anda a fazer? Não, não vou falar do Zé, o tal que já fez falta… Mas esta gente toda serve para quê?

E as inevitáveis respostas:

Cultura, Preservação, Civilização, Património, Conservação… uma chatice.

PIM!

1.18.2009

desDEVOLUÇÃO


Os políticos queixam-se imenso dos cidadãos. Afirmam-se incompreendidos, vilipendiados, ofendidos na sua honra, agredidos na sua legitimidade.
Verdade seja dita que pouco ou nada fazem para que a situação se inverta. Fazer mais e melhor, para consolidar a imagem que o cidadão comum tem dos políticos e da sua honorabilidade, não é possível. Veja-se o deprimente espectáculo que a Assembleia da República frequentemente oferece…

Mas… isso é politica num patamar mais elevado do que aquele que aqui me traz.
Se eventualmente me pode interessar a política como ciência ou ao nível da intervenção cívica, esta quando respeita ao universo político-partidário pouco me interessa em termos efectivos a não ser pelo anedotário de que constitui fonte inesgotável.

Uma das vertentes que me interessa é a política cultural deste governo. Para atestar o ponto em que esta se encontra uma afirmação e uma pergunta são suficientes; Afirmação: Temos um Ministério da Cultura; Pergunta: Alguém viu ou sabe onde anda o ministro?

Não esmoreceram ainda os ecos da cerimónia oficial (12 de Dezembro) da “devolução” do Cais das Colunas à cidade e já se prepara a sua DESdevolução. Os motivos evocados para o novo subtraimento do Cais das Colunas são nobres sem dúvida. Melhorar a qualidade das águas do Tejo. Mas para quê este teatro de dar para depois tirar? E já agora, onde anda o Zé? Aquele, sim aquele que fazia falta?
Não tem nada a dizer, aquele precisamente que nunca se calava, nem ninguém fazia calar?
Quer isto dizer que a pomposa cerimónia foi apenas uma farsa – daquelas – em que a classe política é useira. Apenas pretexto para mais uma “inauguração”, eventualmente para mais um almoço ou beberete a que as numerosas comitivas se dedicam com denodo e valentia.
Ainda bem que o Zé existe para comprovar aquilo que se sabe acerca do poder e dos seus efeitos…
E que andam afinal estes políticos a fazer? O que de melhor os governantes (todos eles) têm sabido fazer: Dar com uma mão e tirar com as duas!

Obs.:
Vozes amigas e ponderadas, a propósito do escrito anterior sobre Lisboa e o ditoso Cais, “acusaram-me” de exagerado pessimismo… Como eu gostava que tivessem razão.