"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

12.07.2008

Polaroid

Continuando a persistir e a insistir nos desaparecimentos, aqui fica mais um dos anunciados.

É evidente que o mundo globalizado em que nos encontramos sitiados pelas cada vez mais exacerbadas formas de uniformização não se compadece com romantismos de qualquer espécie. Seja em nome do progresso, do desenvolvimento, da rentabilidade, ou do que quer que seja que se lhe chame, vão desaparecendo alguns produtos que, pelo que se observa, deixaram de ter espaço para existir.
Não que tenham deixado de existir utilizadores, só que estes não perfazem provavelmente o número mínimo necessário para que o produto se continue a fabricar com lucro. É este o acento tónico de toda a questão. Não é lucrativo para a empresa continuar a fabricar o “filme instantâneo”.

Não nos podemos alhear que a implantação da fotografia digital aniquilou o “Polaroid”. Com as câmaras digitais de todos os tipos e géneros em que o instante é mais instantâneo do que nunca, para que serve a fotografia Polaroid?
Já nem sequer – conforme me foi dito por um amigo – para as fotografias maliciosas!

Os argumentos dos detractores da fotografia Polaroid passam por vertentes tão diversas e disparatados como a falta de fiabilidade nas cores, falta de definição nas imagens, para além da dificuldade de conservação… tudo isto antecedendo o imbatível argumento economicista que elimina qualquer resistência: O preço.
Contudo, subsiste algo de tão indefinível como “uma certa aura” que faz com que – isso eu já vi – apareçam imitações digitais de fotografias Polaroid!

Apropriação? Recriação? Adulteração?
Se calhar um pouco de tudo isso e alguma dose de subversão.
Não sou contra este género de intervenções, antes pelo contrário, considero até que a convivialidade e promiscuidade entre géneros é saudável para as artes e salutar como estímulo criativo. No entanto, lamento que não haja espaço para produtos que propiciam certas formas de expressão artística que só com eles poderiam ter lugar.

Celebrizado nos anos 60 e 70 do século passado por artistas como Andy Warhol, as fotografias instantâneas Polaroid tiveram uma infinidade de utilizadores – fotógrafos como Robert Franck ou Robert Mapplethorp e artistas plásticos como Toto Frima, André Gomes ou o multifacetado Bob Wilson – no mundo da arte, que se manteve até aos dias de hoje.

A roda trituradora do mundo global não é sensível a argumentos que tenham por base formas de estar e sentir no campo artístico. As palavras-chave Produtividade e Lucro sobrepõem-se a quaisquer outras. Daí que se conclua que movimentos simpáticos como os que se batem pela recuperação de espaço para a fotografia Polaroid ou pelo menos para adiar o seu enterro, não se consigam fazer ouvir em Wall Street.

Para quem os quiser conhecer melhor aqui ficam os endereços: http://www.polanoid.nete/ e www.flickr.com/search/groups/?q=polaroid&m=names .

Sem saudosismos e falsas nostalgias, confesso que o filme instantâneo Polaroid é seguramente um dos produtos de que vou sentir a falta.

11.26.2008

Triste sina

Há mal intencionados que dizem que uma nação que começa com um filho a bater numa mãe não tem hipóteses…

Apesar de todo o pessimismo que nos é inerente, creio que ainda não batemos no fundo… Agrada-me pensar que a salvação do futuro colectivo passa por outras gerações que não esta que actualmente detém o poder.

Existem grupos de cidadãos conscientes e activos, vigilantes e actuantes que se preocupam com assuntos que deixam as maiorias indiferentes ou pelo menos preocupadamente distantes.
São na maioria jovens, mas não só, militantes e ruidosos e, considerando o espectro populacional em geral, constituem uma imensa minoria.
Por vezes são uma destas coisas, vegetarianos, contra a globalização, contra as causas do efeito de estufa, contra os transgénicos, a favor do bem-estar das minorias e dos direitos dos animais… Outras vezes, são tudo isto e muito mais, o que quer dizer, resumindo, que proclamam o dever de lutar por uma sociedade mais justa, num ambiente equilibrado e sustentável.

A biodiversidade é uma questão essencial e actual à escala planetária. Isso só por si, não nos deve inibir de ter uma postura actuante naquilo que nos for acessível e com os meios de que dispusermos. Cada vez que uma espécie se extingue é um pedaço do património comum que se vai.
De uma maneira geral, quem se dá ao trabalho de reflectir sobre o mundo actual, dificilmente negará a acuidade destas questões, pelo que é de considerar o dever de cada um fazer, o quanto estiver ao seu alcance, para tentar salvar cada espécie ameaçada.
Devemos preocupar-nos sem dúvida com o Lince da Malcata e com os Golfinhos do Sado.
Obviamente que sim, mas… e a vergonha?
Ninguém se preocupa com o desaparecimento da vergonha?
Vão continuar a proliferar as nefastas campanhas de aniquilamento sistemático da espécie, perante a inércia generalizada?

Exemplos de impunidade não faltam: Podemos começar pela triste brisa que é (ou foi?) a Operação Furacão, podemos referenciar a absolvição de Fátima Felgueiras ou as várias entidades reguladoras que não regulam coisa nenhuma ou regulam apenas algumas, como também os vários casos judiciais que nunca mais têm fim à vista como o Apito Dourado (ou será enferrujado?) ou o nauseante tema Casa Pia. Na ordem do dia está agora o caso BPN mas seguramente por pouco tempo já que ninguém acredita na operacionalidade de uma instituição a que se dá a eufemística designação de justiça.

Assim como se constituem as mais diversas associações de luta pelos mais elementares direitos, não seria demais esperar o surgimento de uma Associação de Cidadãos Envergonhados para contrabalançar as enormes carências sentidas neste sector.

Apela-se pois, aos jovens activos e militantes de causas nobres, já que nos menos jovens grassa o desalento e o desencanto e não sobram energias para tanto, que se envergonhem genuína e sinceramente pelo que neste país acontece!

11.07.2008

Viva!


A poeira assentou.
Já posso festejar.
Renasceu a esperança; Obama ganhou.
Pelo menos, que lhe seja concedido o benefício da dúvida.

Um presidente que pensa, pode fazer a diferença...

11.02.2008

K7

“Todo o mundo é composto de mudança”. Assim foi, assim é, assim será. Luiz Vaz sabia-o e cantou-o.
A nós, menos dotados da presciência dos iluminados resta-nos aceitar como certa esta pequena certeza, contra todas as incertezas que nos cercam.

Magro consolo, diga-se.

Ironicamente, da Economia à Política, do Ambiente às Ciências, a mudança é a única constante num universo alargado de variáveis.
Todos os dias surgem dados novos sobre o desaparecimento de alguma espécie, acentuando a “via dolorosa” da biodiversidade.
Se no mundo global as coisas se passam assim, num rodopio frenético de transformações, o mundo da arte não fica imune a isso, encontrando-se por vezes no papel (incompreendido) de proclamador de algumas dessas mudanças, acabando também ele por sentir as repercussões das oscilações e transformações que se vão registando.

O evento aqui reportado, não se refere propriamente à extinção de uma forma de vida, animal ou vegetal. Refere-se apenas a uma forma de escutar o mundo e de registar os seus sons que se extingue.
A cassete morreu!

Sem sombra de saudosismo, recuso aqui desfiar o rosário das vicissitudes e virtualidades, em que uma conversa acerca de um meio de registo de som que foi fonte de prazer de gerações poderia degenerar…

A morte declarada da cassete é apenas a morte anunciada do CD e a morte a prazo do MP3 e por aí fora.
A fotografia digital vai aniquilando aos poucos a fotografia analógica, como o VHS fez ao sistema Betamax e como o DVD está a fazer aos outros suportes de registo de som e imagem. Os argumentos imbatíveis da interactividade, da qualidade, dos preços e da portabilidade assim o determinam.
Não importa muito saber quem liquidou o quê. Talvez interesse reter apenas que vivemos num mundo a prazo em que diariamente se confirma uma das máximas de Darwin: “Não é a espécie mais forte que sobrevive, mas aquela que melhor se adapta ao meio”.
A cassete estava desadaptada…

A cassete áudio foi inventada em 1963 e chegou ao mercado em 1965. Fez as delícias dos melómanos pela versatilidade e possibilidades que abriu no domínio das compilações caseiras. Quando se implantou, a cassete relegou as fitas magnéticas em bobina para o nicho dos profissionais de som.
Os anos 80, foram anos de apogeu para a cassete com o surgimento dos “walkman” e não havia festa, romaria ou feira onde não pontificassem as bancas de venda de cassetes pirata.

A cassete morreu, paz à sua alma!

Com ela, morre também uma atitude ou postura (se quisermos) perante a música e o universo dos sons. É também uma certa cultura que se vai. Thurston Moore (Sonic Youth) faz parte de alguns dos focos de resistência ao desaparecimento da cassete, tendo publicado recentemente o manifesto “Mix Tape: The Art of Cassete Culture).
Não obstante as resistências, 2010 é a data limite para um “prazo de validade” que vai expirando, pese embora o fenómeno de popularidade de que a cassete ainda desfruta em países como a Índia, onde anualmente se vendem 80 milhões de cassetes gravadas e que tem sido, em grande parte responsável, pela longevidade deste suporte
O artífice sonoro (também fotógrafo) Aki Onda continua a criar e a registar sons quotidianos, bandas sonoras de eventos artísticos e fundos musicais, entre outras criações, a partir de gravações em cassete, que vai reproduzindo – também nas performances que executa – em decks que vai manipulando e sequenciando.

Remando contra a maré, dirão alguns.
Snob desadaptado, dirão outros.
Inconformado, talvez, arrisco eu…

A “espreitar” de ouvidos bem abertos em http://akionda.net.

10.24.2008

10.14.2008

A Crise



Não se fala noutra coisa…
Anda nas primeiras páginas dos jornais, está presente em todos os noticiários, anda na boca de toda a gente.

A crise instalou-se e veio para ficar.

Contraditoriamente, através das opiniões emitidas por quem nos governa, as quais oscilam entre o não se passa nada e o passa-se muito pouco, ficamos cientes de viver no melhor dos mundos e também que aquilo que de mal vai acontecendo, é lá longe, fora das nossas fronteiras, como se o que se passa lá fora, num mundo em que a globalização inexoravelmente tudo difunde e amplifica, não nos afectasse.
Para lá da constatação desta gritante irresponsabilidade dos nossos mais responsáveis, aquilo que talvez mais interesse reter é que o mundo tal como o conhecemos até aqui, acabou.
É claro que os sinais de mudança ainda não se fazem sentir plenamente. As repercussões, essas continuarão a vir em sucessivas ondas de choque, acentuando clivagens e fracturas, até que tudo se ajuste sob novos paradigmas.
Crises mundiais sempre as houve. Fracturas e clivagens também. No decurso da já longa história da humanidade sempre se registaram factos e eventos de que resultaram novas ordens sociais ou profundos reajustamentos dentro das ordens existentes. A grande diferença aqui é que o fenómeno a que se dá o nome de globalização, não deixa país ou região à margem de qualquer crise ou conflito…
Assim mesmo, como o famoso “efeito borboleta” cujo postulado diz que o bater de asas de uma borboleta no Japão pode provocar um tornado do outro lado do mundo[i].

Quem conhece um pouco de História sabe que a economia dos países, das regiões, dos blocos, sempre teve altos e baixos, momentos de franca e alegre expansão, assim como amargos e trágicos momentos de recessão. As grandes convulsões sociais sempre foram a causa de incontornáveis efeitos.
Como exemplo maior de nefasta ocorrência neste domínio, basta referir a Grande Depressão dos anos 29/30 do século passado nos EUA, de onde emergiu uma sociedade diferente da que havia até então.
Mas outros importantes acontecimentos se deram, antes e depois da Grande Depressão, os quais alteraram drasticamente os modos de vida. É o caso da Revolução Francesa (1789), do advento da Revolução Industrial na segunda metade do século XVIII e das duas Guerras Mundiais. Igualmente importantes foram também o chamado Choque Petrolífero nos anos 70 do século XX ou da queda do Muro de Berlim e consequente desagregação do Bloco de Leste em 1989.
Estes foram alguns dos grandes acontecimentos que alteraram profundamente o tecido social e também a ordem mundial vigente na época, com consequências que ainda hoje se fazem sentir.

A queda do Muro de Berlim em particular, oficializou a inviabilidade do socialismo fazendo com que a economia deixasse de ter dois grandes modelos em oposição (no modelo mais ortodoxo subsiste apenas a Coreia do Norte com as consequências que se conhecem) reafirmando a supremacia do modelo capitalista da sociedade de consumo em que vivemos. O modelo económico-social em presença, assente na livre concorrência, na não intervenção do estado e na auto-regulação do mercado tinha-se oposto até então ao modelo intervencionista e de economia planificada em vigor na Europa de Leste. Com o desmembramento do império soviético e o colapso dos países satélites, terminava também a “Guerra Fria” e com ela toda uma época.
Este modelo de sociedade, ao deixar de ter concorrente, passa a imperar como modelo único, como modelo triunfante. Não por acaso, a dimensão do acontecido levou pensadores como Francis Fukuyama[ii] a anunciar o Fim da História – no sentido em que se havia desenrolado até então - e a inauguração de uma nova era.

Foi assim durante alguns anos… mas a surpresa das surpresas estava para vir… no século XXI.
O impensável, o inominável aconteceu. O governo americano resolveu intervir na economia, decidiu impor regulação onde antes havia total liberdade e impunidade, resolveu estender a mão às depauperadas instituições de investimento de risco, cujos cálculos saíram furados em toda a linha e arriscavam produzir efeito dominó ao resto do sacrossanto mercado de capitais.
Mas não foi uma intervenção isenta de críticas e contestações várias, sendo a frase lapidar de um senador, um republicano do Kentucky, aquela que provavelmente melhor sintetiza o sentir de certos sectores mais conservadores: “Isto é socialismo financeiro, isto não é americano”
Esta decisão da administração americana, parecendo um facto de somenos importância e um gesto expectável perante o avolumar da crise, é não só o pôr em causa os fundamentos do capitalismo na sua vertente liberal e neo-liberal, como pôr em causa também – e isto não é de todo um dado menor - o modelo de funcionamento da maior economia do planeta.
Com a crise instalada (e para durar), são mais algumas inabaláveis certezas que se acabam e com elas uma certa maneira de ver o mundo. Se com o terminar da “Guerra Fria” e o desmantelar da “Cortina de Ferro” os EUA surgiam como a única super-potência à escala planetária reafirmando o seu modelo económico de sociedade – o liberalismo segundo Milton Freedman – o qual seria, doravante o modelo a seguir. Hoje os EUA são uma grande potência sem dúvida, mas uma potência falida, desrespeitada e incapaz de sair condignamente dos buracos onde lentamente se vai afundando, o menor dos quais não será o Iraque.

Estará o sistema de mercado livre ameaçado?

Não se sabe nem pode saber-se. Aquilo que se sabe é que a receita do costume em casos que tais começou a ser aplicada: Socializar os prejuízos e privatizar os lucros!




[i] Claro que esta é uma definição simplista de uma teoria complexa (Edward Lorenz) mas que tem tanto de metafórico como de ilustrativo

[ii] Fukuyama, Francis “O Fim da História e o Último Homem” Lisboa: Gradiva, 1999, 2ª ed.

9.29.2008

Lisboa


A minha cidade é a cidade mais bonita do mundo.

Agora, com a prometida “devolução” do Cais das Colunas vai ficar ainda mais bonita.

Contudo, é com fundamentados receios que ciclicamente assisto ao relançamento da magna questão o que fazer do Terreiro do Paço. Fazer o quê? E para quê? Fechá-la ao transito aos domingos… parece-me bem, mas com que finalidade? Desertificar a Baixa ainda mais? Não permitir a circulação automóvel aos domingos é sem dúvida louvável, mas só por si é quase nada. Devolver o Terreiro do Paço aos lisboetas? Sim, sem dúvida, mas onde estão, em alternativa, os atractivos? Como chamar as pessoas a desfrutar da sua magnificência? Parecem-me excelentes as propostas do historiador Rui Tavares e do arquitecto Ricardo Carvalho explanadas num artigo de Alexandra Prado Coelho para o Ípsilon (jornal Público de 29/08/2008)… Será que quem “põe e dispõe” lhes dará ouvidos?
Tenho dúvidas…

A minha cidade é a cidade mais bonita do mundo. Não obstante o trânsito caótico, as obras intermináveis, o lixo e a sujeira acumulados e mais tudo aquilo que de negativo existe e agora não me ocorre, a minha cidade é a mais bonita do mundo.

Não sendo um todo homogéneo, sequer coeso, antes uma manta de retalhos mal cerzida onde faltam pedaços de um lado e sobram remendos de outro, tem na Baixa, o meu território de eleição, o oposto disso mesmo. De todas as zonas da cidade, aquela que melhores condições reunia para estar ordenada e organizada, era sem dúvida a Baixa. O seu traçado reticular pareceria propiciar isso mesmo, mas tal não se verifica. Anos de sucessivo desprezo (é o termo!), cuja consciência se foi lavando com a constituição (a expensas do erário público) de sucessivas e inoperantes comissões de reabilitação que tudo fizeram para nada fazer… ou fizeram muito pouco, muito pouco esse que é afinal o mínimo necessário para que tudo fique na mesma.

Verdade se diga, os alfacinhas não a têm tratado como merece. Os sucessivos governantes também não. Uns e outros não têm feito nem melhor, nem diferente.

Nada disto é novidade, como nada disto é de agora. Eça em quase tudo o que escreveu como outros antes deles e muitos outros depois, não se pouparam a zurzir os políticos de carreira e as denominadas figuras públicas que têm governado a capital ou dela têm feito trampolim para outros desígnios mais altos. É permanente a confusão entre serviço público e servirem-se do público e todos sem excepção têm sucumbido aos encantos do poder e das suas benesses, dando, pela enésima vez razão a John Emerich Edward Dalberg-Acton (1843-1902)…

Mas vivemos num país onde a esmagadora maioria das “figuras públicas” é inimputável e em que a minoria das ditas “figuras” que por qualquer obscura razão se torna repentinamente “putável” acaba em tribunal a pedir (e a receber) chorudas indemnizações do Estado, pelas perdas e danos causadas pela temporária “putabilidade”.

Apesar do que foi dito, redito e escrito, sou um apaixonado pela minha cidade e todos sabemos que, onde existe paixão, não existe razão…

Sou um apaixonado pela minha cidade e deixo-me tocar pelas razões que assistem por inteiro aos autores do livro “A nossa Lisboa”, Gustavo de Matos Sequeira e Luiz Pastor de Macedo, que numa edição de 1945, com a chancela da Portugália, que me chegou por via da “1870 Livros”, deixaram dito:

“Correram anos. Vieram malefícios dos homens e da terra; agitaram-na abalos, queimaram-na labaredas, arrasaram-na as guerras, conspurcaram-lhe a face de fealdades e arrebiques pelintras de maquilhagem. Foi sofrendo resignada. Agarrou-se bem aos seus outeiros, enlevou-se mais no rio, deixou-se beijar melhor pelo sol, embrulhou-se no manto fino da sua luz de milagre. E continuou linda.”

Citei estes autores, mas poderia citar também Cardoso Pires do seu magnífico livro sobre Lisboa. Ou ainda o Saramago da carta de amor que à cidade endereçou. Mas fico-me por aqui e reafirmo, que apesar do trânsito caótico, das obras intermináveis, do lixo e a sujeira acumulados e mais tudo aquilo que aquilo que de negativo existe e agora não me ocorre, a minha cidade é a mais bonita do mundo.

Já não é de todo a cidade dos pregões… Mas é a cidade do Fado, de todos os escritores que a reescreveram, da sardinha assada, dos eléctricos, da saudade e de mais uns quantos lugares-comuns dos quais os bem-pensantes fogem como o diabo da cruz e aos quais Olivier Rolim contrapõe: “uma cidade sem lugar-comum, seria uma cidade dispersa, absolutamente submetida ao diverso, reduzida a pó, uma cidade invisível”.

“… e outra vez te revejo, Lisboa e Tejo e tudo” assim o disse Pessoa.

Se possível com o Cais das Colunas, digo eu…



9.22.2008

José Saramago tem um blog


Que seja bem-vindo à Blogosfera!

Saramago, José Saramago, insigne escritor, Nobel da Literatura, bastas vezes laureado e outras tantas reconhecido como uma das grandes personalidades literárias do nosso tempo, acaba de estrear o seu blog chamado “Cadernos de Saramago” e que pode ser visitado através do endereço http://blog.josesaramago.org/

Explicando melhor, a página de Internet da Fundação que ostenta o seu nome, acolhe o blog pessoal do escritor, onde este tenderá a escrever na exacta medida em que a isso se dispuser.
O que se terá passado para que (até) Saramago tenha um blog?

O próprio explicou que o blog será usado para fazer “comentários, reflexões, simples opiniões sobre isto e aquilo”.

Vindo de quem vem, será seguramente muito mais que isto. Será um veículo comunicante mais actuante, será também, certamente, uma plataforma para atingir outros públicos que por uma razão ou outra se encontram divorciados dos livros impressos. Soube-se esta semana que, os jovens portugueses já passam mais tempo na Internet do que a ver televisão… provavelmente o tempo por eles consumido na Internet não terá motivações literárias, mas ainda assim…

Eu, leitor assíduo do Saramago escritor, serei naturalmente visita regular da sua página.

9.12.2008

O tempo


Ao longo dos tempos – todos os tempos – sempre houve lugar a grandes reflexões sobre o tempo.

É possível, com alguma facilidade, efectuar uma recolha diversificada de escritos de filósofos, cientistas, escritores, artistas, ensaístas e outros pensadores, através dos quais os seus autores tentam explicar o que é o tempo, essa “coisa” instável, variável e efémera.
Obviamente que a forma como o tempo foi pensado ao longo da História não prima pela uniformidade nem pela homogeneidade tal como não o são o tempo dos relógios e o tempo da consciência.
A forma acelerada como se vive hoje em dia parece ter acentuado essa discrepância.


“Os homens que inventaram o tempo, inventaram por contraste a eternidade, mas a negação do tempo é tão vã como ele próprio. Não há passado nem futuro mas apenas uma série de presentes sucessivos, um caminho perpetuamente destruído e continuado onde todos vamos avançando”
O tempo esse grande escultor; Marguerite Yourcenar

Todos temos problemas com o tempo.
Decerto que uns mais e outros menos, mas creio que todos nos debatemos com problemas de tempo. Problemas esses que são de escassez umas vezes, de sobras noutras.

Uns correm possessos atrás do tempo com uma urgência desmedida, tratando o dito como bem essencial; outros estranhamente esbanjam-no ou tentam iludir de várias maneiras o seu penoso arrastar, porque para esses o dito não flui.

Os meus problemas com o tempo têm invariavelmente a ver com escassez.
Ando quase sempre pontualmente atrasado e mesmo assim, quando o dia acaba, é sempre mais o que fica por fazer do que aquilo que ficou feito.
Isto é assim ao fim do dia e as repercussões são sempre maiores e os efeitos mais notórios ao fim de uma semana, de um mês…

Os que (como eu) se debatem com falta de tempo – seja esta questão física ou psicológica – têm sempre a cabeça cheia de complicadas equações acerca do tempo gasto, do que falta fazer, da rentabilização do dito que se esvai inexoravelmente, indiferente a todos os cálculos e planos elaborados para retardar, ou pelo menos acompanhar, a sua marcha…

Aqueles a quem o tempo sobra, também têm problemas, mas de outra ordem, problemas esses que passam por complicadas estratégias para “matar o tempo”, a através de meios genericamente designados por passatempos onde não pode deixar de incluir a “caixa que mudou o mundo”.

Mas não é propriamente a “esse” tempo que me quero agora referir.
Uns e outros, aqueles aos quais o tempo falta e mesmo os outros a quem o tempo sobra, já passaram seguramente por estados de alma tão difíceis, tão dilacerantes, que por iniciativa própria ou por indução dos hábitos ou do muito ouvir dizer, confiaram ao tempo a tarefa de atenuar os nefastos efeitos das agruras da vida ou de penosos achaques existenciais.
Naquilo que me diz respeito, nunca fui muito bem sucedido.

“O tempo sara todas as feridas” é na minha opinião a expressão do mais refinado embuste! Não sara coisa nenhuma, não atenua nada do muito doer, se os motivos dessa dor se mantiverem vivos na memória.
Seria pois necessário que a memória colaborasse nessa grande mistificação, o que não acontece. Aí, a dor permanece, sempre viva, sempre activa, disposta a tudo para se fazer sentir, perante a silenciosa indiferença do “grande impostor”.

“Atrás do tempo tempo vem”. Que grande e inegável verdade! Mas que tempo? Outro… que outro? Se a memória persistir em reacender imagens antigas em cada gesto, objecto, situação, lugar…, numa sucessão infindável de presentes que se vão alimentando do passado e recusando ostensivamente qualquer ideia de futuro…

E assim, o “grande escultor” aí está para, a cada golpe do seu acerado cinzel, abrir novas brechas nas frágeis defesas que fomos erguendo.

9.05.2008

Exposição na "Trama"

O nomear, o designar, são sempre insuficientes em relação ao objecto a que se referem. É sempre mais o que fica por dizer do que aquilo que já foi dito.

Que distancia separa o objecto nomeado, da palavra que o nomeia?

A ideia de desígnio e a ideia de desenho, não se excluem. Têm mais em comum do que apenas a sua origem. Desenhamos aquilo que conseguimos designar.

Que distância separa o objecto do contorno que o rodeia?

A ideia de desígnio nunca abandona o desenho, paira em torno do objecto como uma sombra, pertinente e persistente como a luz que a origina.
Tão frágeis as sombras que os objectos produzem…
Como frágeis são as palavras que usamos para os nomear. Mas é da fragilidade das palavras que emana o fascínio exercido pelo acto de designar.

Fundidos num conceito, desígnio e desenho materializam-se em objectos ao serviço de uma ideia: a da sua objectualização.

9.01.2008

Mas afinal...

Fui recentemente interpelado sobre o que me leva a escrever num blog.

Posteriormente a questão estendeu-se às razões que levam as pessoas a escrever em blogs.

Os termos em que a interpelação se deu e o tom empregue, pressupunha alguma depreciação por parte de quem assim me questionava e a discussão não proliferou, em parte também, porque a hostilidade evidenciada perante cada tentativa de resposta não permitia grandes reflexões.

Agora, com alguma tranquilidade voltei a pensar no assunto e em busca de respostas, resolvi vir para aqui reflectir “em voz alta”…

Digamos que esta “actividade” tem para algumas pessoas uma carga negativa. Referem-se a ela como uma perca de tempo ou, se não perca, pelo menos gasto de tempo com uma ocupação fútil, um propósito inútil.

As razões e motivações dos outros não me interessam por aí além, salvo em casos muito pontuais. Não me interessou, não me preocupou, não indaguei as razões alheias. No entanto, reconheço que alguns blogs, dos muitos que por aí proliferam, possam propiciar apreciações pouco abonatórias, quer pelas matérias tratadas quer pelos maus tratos infligidos à língua portuguesa. Mas, num universo tão vasto, nem tudo é assim.

Existem blogs de todos os géneros e a propósito de tudo. Para uns serão como instrumentos de trabalho como para outros serão espaços de lazer. Existem blogs, sérios e bem concebidas onde matérias bastante interessantes são trazidas a público de uma forma rápida e acessível. Se este meio não existisse, tais assuntos dificilmente poderiam ser dados a conhecer por falta de meios. Mas, quem quer denegrir este universo “comunicacional” socorre-se bastas vezes de um nicho muito peculiar de blogs que são os diários pessoais, alguns absolutamente boçais, a maioria dispensável. Estes blogs servirão – ao que se diz - essencialmente para alimentar egos carenciados ou descompensados. Mas, se os seus autores estão no seu legítimo direito de se exporem e manifestarem, também qualquer pessoa tem a prerrogativa de os ignorar.

A existência de blogs, a sua manutenção e defesa, não são para mim uma causa.
Posto isto, que fique claro que só falo por mim e como tal, para a questão “Mas afinal, o que leva as pessoas a escrever em blogs”, não tenho resposta.

Voltando ao meu caso – o directamente interpelado -, porque tenho eu um blog?

Este blog, nasceu com o propósito de se constituir como um diário (também ele!?!).
Continha na sua génese a intenção de se fazer eco da minha actividade no campo das artes plásticas, sendo também um suporte para registos de opinião sobre assuntos do meu interesse ou de outros que simplesmente suscitassem a minha natural curiosidade.
Isto, creio eu, responde por mim e evidencia as minhas motivações.

Claro que se pode sempre questionar a quem interessa as minhas opiniões, como também, a quem interessa o meu trabalho.

Sobre isto, não tenho dúvidas: A mim em primeiro lugar. Quem pinta, desenha ou escreve, fá-lo em primeiro lugar para si próprio. Depois, bem mais atrás, vêm os outros…

É evidente que deste ponto de vista, este blog será sempre inútil, senão mesmo fútil.
Obviamente que de um ponto de vista meramente utilitário, este blog deverá ter uma eficácia próxima do nulo absoluto. Quero eu dizer que o número dos que me lêem não ultrapassa certamente um dígito. Deste modo, nem sequer consigo ser muito interventivo e sequer prejudicial.

Aquilo que aqui se passa anda então próximo do monólogo...
Os monólogos como os diálogos são feitos de palavras. Este blog, em última análise regista a minha relação com as palavras.

Não sou um homem de palavra – sou incoerente, farto-me de voltar atrás com o que afirmei, deixo promessas por cumprir – mas sou um homem de palavras e a minha relação com elas é tão tempestuosa como uma paixão.

Porque tropeço amiudadas vezes nas palavras e porque ao tropeçar por vezes caío, por descuido ou por elas empurrado. Porque também inúmeras vezes são elas que me estendem a mão e me ajudam a erguer. Porque são elas a mão que castiga e também a mão que afaga, por tudo isso, eu não me zango com elas, decepciono-me comigo.

Ainda assim, eu gosto de palavras. Muitas vezes acontece não gostar do que elas nomeiam. Todavia continuo a gostar das palavras, afinal, elas tal como nós, não são perfeitas.
Eu não sou perfeito, longe disso. As minhas palavras também não e o meu blog espelha isso mesmo.

(…)
O direito e o prazer narcísico do individuo que se exprime para nada, para si apenas, mas veiculado e amplificado por um medium. Comunicar, exprimir-se sem outro objectivo além do de se exprimir e ser registado por um micropúblico
(…)
Se tudo o que aqui foi dito, quis dizer nada, faço minhas as palavras de Lipovetsky.


8.08.2008

Olímpiadas...

...ou as indignidades da Realpolitik



Embora possa parecer que, a propósito dos Jogos Olímpicos, da China, dos Direitos Humanos, da Liberdade de Expressão e de Politica Ambiental, que já tudo foi dito, não só não o creio como acho precisamente o contrário. Ainda não está tudo dito… nem estará, enquanto valores mais baixos se erguerem.

Estamos a falar de quê?

Não é certamente da deslumbrante cerimónia de abertura que as televisões de todo o mundo reportaram, as rádios ecoaram e os jornais documentaram.

Primeiro que nada, há que dizer que a retórica dos Direitos Humanos está morta e enterrada perante o crescimento económico da China e as oportunidades de negócio à escala global que esse mesmo crescimento propicia. Perante este cenário, dos políticos que governam o mundo e do “realismo” que os caracteriza, nada mais se pode esperar do que genuflexões sucessivas e o pesado silêncio a que as conivências obrigam.

No que à Política Ambiental diz respeito, para o parceiro chinês não existem Protocolos de Quioto ou outros quaisquer valores a cumprir em termos de emissão de gases ou outras poluições menos visíveis. Está tudo no seu devido lugar desde que o mercado continue aberto à penetração das empresas ocidentais.

Será legítimo que um país assim organize os Jogos Olímpicos, jogos esses, que nasceram com um ideal, assente na nobreza de princípios e mais todo um alardear de boas intenções e nobres propósitos que hoje em dia já não se verificam, mas cuja mística ainda se tenta fazer passar por entre as campanhas publicitárias do enorme mercado e conjunto de interesses instalado em seu redor, que fazem viver os jogos (ou antes pelo contrário é para isso mesmo que eles vivem?).
Certamente que sim! Sem dúvida que um mercado desta envergadura é o cenário ideal para montar o circo olímpico (circo no pior sentido do termo entenda-se).

E a liberdade de expressão? O último reduto ocidental… aquele que se movimenta à “revelia” dos poderes instituídos? O inimaginável aconteceu? O “quarto poder” rendeu-se ao capital!?! Não estava ainda rendido? As principais cadeias de televisão, os mais importantes jornais e revistas, não pertencem a grandes grupos económicos? E alguns destes grandes grupos não pertencem ou se cruzam com interesses políticos mais ou menos evidentes? E os profissionais? Os jornalistas?

Demasiadas perguntas para uma só resposta… todos sem excepção se vergaram às vergonhosas condições de trabalho impostas pelas autoridades de Pequim. Liberdade, certamente, mas aquela que os governantes chineses entenderem - e que é a sua - e que está à vista com os resultados que se conhecem.

Um entender muito peculiar dessa liberdade, que levou, por exemplo, à detenção do professor Liu Shaokun, que após o sismo que ocorreu em Sichuan, colocou na Internet imagens de escolas que ruíram. As razões apontadas para a detenção? “Espalhar rumores e destruir a ordem social”. A causa efectiva? A prova evidente da fragilidade das construções que ruíram de forma calamitosa provocando enorme número de mortos.

Estamos a falar de quê?

De uma outra dimensão, onde uma maneira de pensar à escala humana não tem lugar.

7.28.2008

Livros e... livrarias


É impossível pensar em livros, sem pensar em livrarias.

Livrarias mesmo, das verdadeiras, daquelas que vendem livros!

Existem muitas ainda, pese embora o facto de vivermos num país onde se diz “à boca cheia” que não se lê. Não sei se se lê ou não. Umas estatísticas dizem que sim, alguns estudos de mercado dizem que não. Pouco me interessa. Conheço pessoas que lêem pouco, outras que lêem muito, outras ainda que não lêem nada. Provavelmente com as outras pessoas passa-se o mesmo. Todos conhecem pessoas destes três tipos.

Quanto a frequência de espaços votados aos livros, estou a referir livros de leitura, a situação é similar. Existem pessoas que compram os livros nas grandes superfícies comerciais, outras adquirem-nos nas mega-stores, outras ainda – menos – compram-nos nas livrarias.

Livrarias mesmo, das verdadeiras, daquelas que vendem livros!

Quando penso em livrarias, penso em espaços pequenos, personalizados, e que apesar de serem pequenos e personalizados, a oferta que fazem, não é menos sedutora, nem menos quantitativa. Por vezes, nesses espaços alternativos (?!?) encontram-se pérolas que não são fáceis de descobrir nas grandes cadeias que vivem e promovem basicamente os êxitos do momento. Ainda vão existindo locais assim.

Livrarias mesmo, das verdadeiras, daquelas que vendem livros!

Quando penso em livrarias, não posso deixar de pensar na “Eterno Retorno” e na “Ler Devagar” agora reunidas na Fábrica Braço de Prata. Não posso omitir a “Letra Livre” ou a “Trama” onde se vão descobrindo algumas preciosidades ou ainda na “1870” que ainda alberga tesouros por desvendar.

Livros, livros e mais livros…

Entre os que tenho em casa, os que se encontram “estacionados” em casa de familiares e os emprestados a amigos chegados, fora os outros a que já perdi o rasto, são já muitos os livros que fui comprando. Uns escolhi-os eu, outros escolheram-me a mim…

Não é por ter imensos livros, nem estar já persuadido que não tenho esperança de vida que me chegue para ler uma pequena parte deles, que deixam de me entrar mais livros em casa. Tenho uma bizarra ideia de conforto que passa por estar rodeado de livros. Mesmo sabendo que não os vou ler todos, mesmo sabendo que nem sequer vou ler uma pequena parte deles, mas é reconfortante saber que, se precisar deles, estão ali mesmo à mão… ou nas livrarias, nas “minhas” livrarias.

Livrarias mesmo, das verdadeiras, daquelas que vendem livros!

6.13.2008

o que será feito dele?


Passam hoje 120 anos sobre a data de nascimento de Fernando António Nogueira Pessoa.

Por entre os ecos das Festas da Cidade e dos Santos Populares e de forma muito discreta se vai comemorando a data, com as possibilidades e os recursos que cada comemorante dispõe. Claro que integrar Fernando Pessoa nas ditas festas nem pensar. Talvez porque não tivesse sido santo e menos ainda popular.

(...)
Amanhã também eu me sumirei da Rua da Prata, Rua dos Douradores, Rua dos Fanqueiros. Amanhã também eu – a alma que sente e pensa, o universo que sou para mim – sim, amanhã eu também serei o que deixou de passar nestas ruas, o que os outros vagamente evocarão com um “o que será feito dele?”
(...)

Na semi-obscuridade por largos períodos entrecortados pela amplificação da descoberta de mais um manuscrito inédito ou por algum evento a que a asfixiada “Casa Fernando Pessoa” se obriga ciclicamente para fazer prova de vida, emerge a horas certas, datas seguras, tranquilamente previsível...

As editoras não perdem a oportunidade e as entidades oficiais – embora comedidas – também não. É preciso glorificar o mito, fazer render a mística (ou não fora o ministro da cultura a fazer prova de fé ao proclamar que Fernando Pessoa vale mais do que a GALP) até que venha mais um “número redondo” e outra comemoração se torne inevitável.


Culpados disto somos nós todos. Os que detém os recursos e as possibilidades, mas também os que não os tendo, têm ideias e que apesar disso mais não fazem do que queixar-se das instituições (sou um deles...) sem as forçar ou persuadir para que ponham os recursos ao serviço dos cidadãos que alguma coisa inovadora queiram fazer.

E assim vamos andando em tempos de bloqueios (mentais também), por entre queixas e recriminações assistindo a mais do mesmo e dando razão ao poeta.

(…)
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido…
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia…
Depois lentamente esqueceste,
Só és lembrado em duas datas aniversariamente:
Quando fazes anos que nasceste,
Quando fazes anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.
(…)

5.26.2008

Café e Cigarros – part 1

Este título de que me apropriei, remete para o filme de Jarmush, Coffee and Cigarettes, sem dúvida um excelente pretexto.

Outro excelente pretexto poderia ter sido o filme Smoke de Wayne Wang e Paul Auster. Mas não foi precisamente devido à ausência do café…

Devo dizer antes do mais, que sou um apreciador do Café preto e do Chá branco. E que sou também (não por opção mas por inevitabilidade) fumador passivo. Fumo passivamente qualquer marca. Nesse particular não estabeleço critérios. Quanto ao chá e ao café, já não é bem assim. Se no chá sou mais tolerante, no que ao café respeita sou absolutamente radical. Duas marcas apenas, merecem os meus créditos. Em desespero posso fazer mais uma – apenas uma – concessão, não mais!

Antes de prosseguir, devo deixar dito também que discordo em absoluto de proibições descabidas e de diabolizações irreflectidas.

Li algures, não sei onde nem me lembro sequer da autoria, que aquilo que nos dá prazer é pecado, engorda, faz mal (à saúde depreende-se) ou é proibido. Se não é proibido, é pelo menos socialmente mal visto. Café e cigarros, em níveis diferentes, estão nesta situação. Para muita gente o café faz mal. À saúde em geral e aos nervos em particular. E todos sabemos que é característica dos portugueses terem estômagos de aço e nervos sensíveis.


Começando pelas diabolizações irreflectidas, abordemos o café, tema menos controverso, julgo eu…

É comum rejeitar-se uma coisa porque alguém diz que faz mal. A maioria das vezes, ninguém se questiona acerca da veracidade da “coisa”. Alguém que junto de nós tem crédito afirma e nós acreditamos. De um modo geral, instalou-se a ideia que o café faz mal… A quê? Porquê? Não se sabe exactamente… parece que tira o sono, deixa as pessoas nervosas… mas será só o café que provoca estas reacções?

São raras as pessoas que dizem não beber café por não apreciarem. Apreciam, mas não bebem e não bebem porque faz mal!

É vulgar combinarmos com alguém “vamos tomar um café” e vemos esse alguém a tomar outra coisa qualquer que a maioria das vezes contém nos seus constituintes substancias tanto ou mais duvidosas do que aquelas que entram na constituição do café como bebida.

Invariavelmente me surpreendo com situações destas, mas isto são coisas do foro íntimo de cada um. As pessoas devem ter liberdade de escolha e como tal, cada um deve beber o que quiser ou lhe der prazer.

Conta-se que Balzac bebia mais de 50 cafés por dia e que terá morrido por excesso de cafeína. Apraz-me pensar que o café foi contributo importante para a concretização da “Comédia Humana” esse gigantesco e notável empreendimento. Se o foi, que melhor homenagem o café poderia ter?

Diz-se também que o café tira o sono… A mim não tira, de todo. O que me tira o sono e também do sério é a cretinice, a impostura, o oportunismo… Diz-se que desequilibra os nervos… A mim não desequilibra, de todo. O que me desequilibra os nervos é a mediocridade, a mesquinhez e a estupidez.

Não seria de admirar que um dia destes viessem a público estudos fiáveis e credíveis sobre inúmeras doenças originadas pelo consumo de café. Basta para isso que alguma luminária oriunda das Américas se lembre – a troco da mediatização exacerbada que todos estes estudos merecem – de investigar o assunto e amplificar os resultados. Até lá, “tomai e bebei…”, antes que seja proibido.


Agora os cigarros. Quanto a isto, estou perfeitamente à vontade para me pronunciar, na medida em que não sou nem nunca fui fumador activo. Estou também suficientemente esclarecido sobre o assunto para saber que o tabaco faz mal à saúde e que toda a gente está informada sobre o assunto.

É claro que ninguém ficará indiferente perante os números, esmagadores, das mortes causadas directa ou indirectamente pelo consumo de tabaco. Dados recolhidos no jornal “Público” de 17 de Abril de 2006 – devem estar hoje desactualizados – indicam que:

8400 pessoas morreram em Portugal devido a doenças ligadas ao tabaco, no ano 2000 (estimativa da OMS).

5 milhões de pessoas morrem actualmente em todo o mundo, segundo a OMS, e se nada for feito, em 2030 morrerão cerca de 10 milhões.

4500 substâncias químicas com efeitos tóxicos mutagénicos e cancerígenos é o que contém o fumo do tabaco.

90 por cento da mortalidade por cancro do pulmão, cerca de 30 por cento das mortes por qualquer tipo de cancro e cerca de 50 por cento de mortalidade cardiovascular são as percentagens estimadas de mortes por causa do consumo do tabaco.

Não pondo em causa a veracidade destes números, nem o panorama aterrador que eles revelam, seria interessante saber também os números – em milhões de euros – que entram nos cofres do estado, originados precisamente pelos lucros da Tabaqueira.

Volto a dizê-lo, são números preocupantes.

Mas digo também que com todos os avisos e campanhas e também com a amplificação que estas cruzadas sempre têm não deve haver ninguém com dúvidas. O tabaco faz mal!

Mas existem outras coisas que fazem mal, nomeadamente os corantes e conservantes. Os pesticidas e outros produtos químicos que entram na cadeia alimentar por caminhos ínvios também. Isto, para só referir o ramo alimentar. Os gases de escape também fazem mal, seja à saúde das pessoas seja à saúde do planeta. E daí? Não só não se restringe a circulação automóvel como se incentiva… Não é verdade que Lisboa está saturada de carros? Para quê a construção de uma nova ponte? Para quê mais parques de estacionamento? Quem já ouviu falar do protocolo de Quioto e dos atropelos de que foi vítima pelos que o ratificaram? Quem quer saber disto?

O tabaco mata?

A estupidez também, e ninguém parece preocupar-se…

Sobre o conteúdo da lei do tabaco, não vale a pena adiantar mais nada. Já foi amplamente comentada, contestada, apoiada… vale a pena sim, reflectir sobre a sua aplicação e também se esta é um caso isolado.

No meu entender, a “coisa” podia ser simplificada. Os proprietários dos estabelecimentos decidem se no seu interior se pode ou não fumar. Dístico na porta e bem visível. O cliente escolhe, faz no momento a opção por sua conta e risco. Ou entra, ou não entra.

Locais de diversão nocturna, livres de fumo? Parece-me bem… Locais de diversão nocturna, repletos de fumo? Parece-me bem também. O “Catacumbas” sem fumo? O “Hot Club” sem fumo? Coisa estranha…

A hipocrisia já existia antes desta nova lei, a estupidez acentua-se com ela. Mas, mais grave que isso, são todos os exemplos a que podemos deitar a mão, em como as tendências proibicionistas alastram, como fogo em mato seco. E mais, traz à superfície a veia de censor e de guardião da moral e dos bons costumes que cada um possui, com tudo o que isso tem de perigoso.

Acerca de proibições descabidas, assiste-se já à perseguição e ostracização dos trabalhadores fumadores ou, mais grave ainda. O facto de se ser fumador assinalado, é factor de exclusão em concursos para obtenção de emprego… Quem se arrepiou e clamou quando nalguns casos vindos a público se ficou a saber que os portadores de HIV se viram nessa situação, que dizer dos fumadores?

O que motiva este escrito, para além do declarado pretexto inicial, não são os malefícios do tabaco nem os benefícios das leis proibicionistas. O que me motiva e preocupa, antes de mais é o que pode vir a seguir.

Será que a Europa ao marchar a reboque destas ideias aberrantes e medidas discriminatórias, vulgares e desprovidas de imaginação, importadas directamente da América mais provinciana, retrógrada, pacóvia e delirante, vai ficar por aqui?

Não creio.

Nestas coisas como noutras, existe sempre a tentação de se ser “mais papista que o papa” e de não se querer ficar atrás.

5.13.2008

Maio de 68


Muito embora não seja muito dado a celebrações, não posso ficar indiferente a esta data.
Não me refiro à data das “aparições”, refiro-me à data de um outro tipo de aparição, aquela que tentou levar a imaginação ao poder. Não tendo saído vitoriosa na totalidade dos fins a que se propôs (propôs mesmo?) e as propostas eram tantas, a revolta de 68 teve a virtude de fazer reformular teorias, atitudes, comportamentos e, imagine-se, até políticas… como de costume, os ecos aqui, chegaram tarde, mas a verdade é que chegaram e tiveram os seus efeitos mais visiveis na crise académica do ano seguinte. A partir daí, nada seria como dantes.

Das coisas mais interessantes que na altura se produziram, contam-se as palavras de ordem, algumas delas verdadeiramente delirantes:

Tenho alguma coisa a dizer mas não sei o quê”.

Por esta altura surgiram inúmeros cartazes e pichagens que veiculavam este universo de explosiva e criativa espontaneidade. Questiono-me como as coisas se teriam passado se já existissem telemóveis e sms’s, se já houvesse Internet e com ela blogs e Youtubes e também graffiteiros como os de agora, que se encarregam de “refazer” com rasgos de criatividade os muros decrépitos e degradados das cidades, como o Maio de 68 fez com a ordem estabelecida…

5.09.2008

Exposição na EDP



Desenho & Fotografia


A utilização de uma câmara fotográfica, tal como a utilização de um lápis para desenhar, constituem meios através dos quais se transmitem sentimentos, sensações, pensamentos…
Na sua essência ambos os processos imprimem marcas num suporte e apresentam uma proposta visual que pode ter tanto de informativa como de expressiva.
Muito embora possa parecer que nada têm a ver um com o outro, desenho e fotografia têm mais em comum do que aquilo que à primeira vista pode parecer.
Desenho e fotografia são meios de representação e com ambos se fazem enquadramentos, com ambos se realizam composições. Para além do mais, subsiste o dado incontornável de ambos os meios produzirem imagens.



5.04.2008

Desacordo

Não se trata de ser do contra só por ser…
Não se trata de uma postura intelectualizada em que ser do contra faz parte de uma certa pose…
Não se trata de ser do contra por achar que a língua não deve evoluir…
Trata-se de ser contra por uma questão de princípio e respeito por um património que é nosso, que faz parte da nossa identidade como nação e como tal não deve ser descaracterizado, mas antes preservado.
É portanto um estar contra fundamentado em princípios, dúvidas e receios pelo que possa daqui advir.
E o que daí advirá será seguramente uma descaracterização da língua, “imposta” por razões espúrias e interesses não assumidos.
(percentagem das alterações)
Mesmo para o observador mais desatento não pode passar despercebido o facilitismo que tem imperado ao nível do ensino da nossa língua.
Se tal facilitismo já se vinha “desenhando”, tudo ficou mais claramente definido com os governos Guterres. O rumo ficou aí definido e até hoje não se inverteu. Passou-se definitivamente a trabalhar para as estatísticas.
Claro que se já se havia detectado o alastrar da iliteracia e a expansão do analfabetismo funcional. Só que obstar a essa situação não passa pelo aligeirar do ensino da língua, nem pela uniformização desta com a fala e a escrita de outras latitudes, como também não passa por retirar os clássicos das aprendizagens e substituído estes por matéria televisiva, de maior facilidade e inevitável visibilidade. Passa sim pelo incremento de hábitos de leitura “facilitando” assim o contacto com a língua-mãe e de, por exemplo, tomar a sério um Plano Nacional de Leitura do qual raramente se ouve falar.
É também muito estranho que os governantes que se deslumbram com os sucessos obtidos por países estrangeiros nos vários domínios da sociedade, que os visitam em busca de inspiração e matéria de estudo, não se tenham questionado acerca do porquê de, por exemplo os países que usam o castelhano não se tenham envolvido num acordo deste género. Ou também o caso ainda mais flagrante de ingleses e americanos conviverem com uma língua comum repleta de diferenças na grafia e na fonética.
Mas, voltando ao português escrito e falado, a quem é que interessa o acordo ortográfico?
Talvez que os grandes mercados editoriais e os grandes grupos económicos neles envolvidos não sejam de todo alheios a esta problemática.
Esclareça-nos quem souber, quiser, puder ou conseguir.
Mas já agora e porque é matéria da ordem do dia, ficam aqui algumas sugestões que facilitariam sem dúvida a vida a muito boa gente:
Que não se retirem só alguns Ps e Cs, os acentos circunflexos e maiúsculas…
Retirem-se todos! E já agora os Hs que não se lêem. Todos, inclusive os do verbo haver…
E também se acabe com os Ss a valer de Z e com os dois SS a fazerem a função do C com cedilha ou não!
E tudo o mais que uma imaginação desenfreada possa sugerire que seja ÚTIL alterar para FACILITAR a vida às pessoas. Se é para facilitar a compreensão e a comunicação, haveria que ir mais longe, radicalmente mais longe.
Porque a timidez de 1,6% de alteração? E porque tanto trabalho e alarido para atingir 1,6%? Já que se vai mexer…
Ficando pelas meias tintas, parece mesmo que é para fazer a vontade a algumas entidades que de forma não muito clara se escudam em argumentos tecnicistas que pouco ou nada esclarecem ou antes pelo contrário… são bastante reveladores
Aqui chegados, a alguém interessa a raiz e a origem onde as palavras se formaram?
Não será que tudo isto tem mais a ver com números do que com letras?



3.03.2008

Despertar...

Finalmente desperto de uma hibernação prolongada e obrigada, depara-se-me uma situação invulgar, é como se houvera um retrocesso de mais de trinta anos. A delação… exortada, enaltecida e premiada. Como se isso não fosse suficiente, o culto do chefe aí está de novo, reciclado, iluminado. “Em busca do unicéfalo” (Juan Eslava Galan que me perdoe a apropriação) dava decerto um bom romance de… terror! E um eventual processo em tribunal.