"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

2.28.2010

Um novo (já velho) flagelo

A Trilogia do Lixo - 3



É impossível falar de lixo sem falar de plástico, até porque, grande parte deste lixo não é bio-degradável.

O plástico (designação lata onde “cabe” um sem-número de matérias diferentes e diversas) é na actualidade, o equivalente às pragas bíblicas. A forma como invadiu as nossas vidas é massiva, contundente e aparentemente inelutável e irreversível.

Se olharmos em volta, verificamos isso mesmo, estejamos onde estivermos, estamos cercados de plásticos! Inclusivamente, em aparelhos vitais para a nossa subsistência e sobrevivência o que é ainda mais dramático, não havendo a este nível muito que se possa fazer para além de tomar posição, erguer a voz, protestar e fazer passar a mensagem no sentido de alertar consciências e tentar – tentar sempre – que uma tomada de consciência colectiva possa fazer inflectir o sentido em que vai avançando a “máquina produtiva”, pressionando a utilização de substancias bio-degradáveis, sem custos para o ambiente.

Podemos assobiar e olhar para o lado como se não fosse nada connosco. Podemos argumentar que temos mais em que pensar e mais com que nos preocuparmos para além desta coisa do ambiente, esquecendo que o ambiente, também somos nós e o nosso comportamento, podendo este ser melhor ou pior, por isso mesmo.

É confortável e alivia a consciência pensar que a responsabilidade cabe aos governos e às instituições e que nós pouco podemos fazer. Para além de ser um conforto pequeno, é também uma grande mentira! Podemos e devemos fazer qualquer coisa, basta querer. Para querer, não é preciso tomar nem atitudes radicais nem fundamentalistas, as nossas atitudes podem ser pequenas mas formativas e pedagógicas.

Neste âmbito, reduzir, reutilizar e reciclar, são as palavras-chave.

Existem algumas superfícies comerciais que instituíram os sacos de compras pagos, sejam eles reutilizáveis ou não. Este pormenor reduziu substancialmente a utilização de sacos de plástico. Já são muitas as pessoas que quando vão às compras levam o seu próprio saco anteriormente adquirido. É assim no “Pingo-Doce”, e é assim no “Mini-Preço” e no “Lidle”, para só citar alguns exemplos de uma atitude louvável.
Como louvável é a atitude dos responsáveis das livrarias "Trama" e "Letra Livre" que não usam sacos de plástico.

Mas há mais que se possa fazer, como seja o recusar – dizendo porquê - sacos inúteis, seja porque já transportamos um saco reutilizável, seja pela sua precaridade qualitativa ou dimensional que nos façam prever que não vai servir para nada. Exemplos? Os sacos pequenos das farmácias, os sacos pequenos da Fnac, entre muitos outros.

Se aceitarmos sacos por não ter como recusar, devemos proceder à sua utilização sucessiva até esgotar as suas possibilidades…

Algo a que é difícil escapar é a proliferação de copos de plástico em bares, cafés e nas máquinas automáticas que pululam um pouco por tudo o que é empresa, escola ou instituição, acompanhadas dos inevitáveis copos e colheres de plástico. Há que pressionar para que seja procurada outra solução para os recipientes que estas máquinas usam.

No caso particular dos espaços de diversão nocturna é compreensível que não haja condições para fornecer recipientes de louça ou vidro e depois proceder à sua recolha e lavagem para reutilização, mas é possível fazer campanha para que um mesmo cliente reutilize o copo onde bebeu a cerveja anterior, se for cerveja o que vai continuar a beber… Quem passar no Bairro Alto a um sábado ou domingo de manhã, poderá aferir aquilo que é dito.

O que já não é compreensível é um espaço que se quer tão sofisticado como a loja Delta do Saldanha, onde tudo é estilizado e fardado a rigor, sirva os cafés (caros) em louça de designer, acompanhada de colheres descartáveis… É degradante, sem ser degradável.

O que aqui se refere, não é publicidade. Os bons e os maus exemplos, devem ser nomeados. Os bons comportamentos devem ser enaltecidos e os maus apontados. Perante eles, cada um agirá segundo a sua consciência.

Todos os cataclismos naturais que se vêm sucedendo, repentinos e atípicos têm a sua origem nas agressões constantes de o planeta é vítima. As recentes enxurradas na Madeira, como as cheias no México, os incêndios na Grécia ou o degelo da Antárctida não são naturais. Essas coisas acontecem motivadas por um comportamento agressivo e desprovido de razão no que toca ao ambiente e ao território.

Toda esta retórica soa como “pregar no deserto” mas se a nossa atitude não mudar, muito mais estará para acontecer ao nível das condições climatéricas e não será seguramente melhor.

2.21.2010

O necessário e o supérfluo

A Trilogia do Lixo - 2



Nas sociedades desenvolvidas, o chamado crescimento económico, anda de braço dado com a produção. Quanto mais rico e desenvolvido for o país, mais elevado é o consumo per-capita. Esse indicador que atesta o desenvolvimento do país e a riqueza deste e por extensão, dos seus cidadãos, não diferencia o necessário do supérfluo.

Em tempos de crise, o consumo retrai-se, os orçamentos encolhem-se, os gastos diminuem. Nessas alturas, racionalizam-se um pouco as compras, diminuindo a aquisição de bens supérfluos em prol dos necessários à subsistência.

Nessas situações, dependendo da duração e profundidade da crise, as empresas diminuem a produção, despedem trabalhadores, encerram as portas.
As bolsas entram em colapso, a economia em depressão, os países em estagnação, as pessoas em aflição.

As crises não são eternas e as depressões, estagnações e aflições, também não.

A seguir a uma crise económica, segue-se um período de euforia e prosperidade, até que nova crise sobrevenha e o ciclo se repita.

Ninguém aprendeu nada, nem tirou lições para o futuro. A produção de bens de consumo volta subir, o consumo desses bens dispara para níveis elevados. O crescimento e o consumo voltam a crescer e toda a gente fica feliz e contente.

O homem é o único animal que consome para além do necessário. Se este problema – porque efectivamente se trata de um problema – não é de agora, nunca como nos dias de hoje existiu a tendência para confundir tanto consumo com felicidade.

Nestas alturas ainda mais do que em outras o consumo do desnecessário dispara à custa de necessidades inventadas e de produtos criados à sombra dessa invenção. Objectos ainda capazes de ser utilizados e de cumprir a função para que foram criados, são substituídos por outros mais capazes ainda, portadores de muitas outras funções que provavelmente nunca iremos utilizar, mas que nos dá satisfação possuir.

Os “obsoletos” vão inexoravelmente para o lixo, seja ele reciclável ou não, atulhando o planeta de toda a sorte de detritos, com as consequências ambientais que ostensiva e deliberadamente ignoramos, porque temos a doentia propensão para só atender ao imediato, desleixando o saudável hábito da prevenção.

Nesta como noutras questões, atribuímos as responsabilidades a governos e instituições, sem querer saber que as responsabilidades individuais também contam e as atitudes pessoais também importam.

Aparentemente o pior desta crise já passou. Os celebrados indicadores parecem apontar para uma nova era de crescimento e consumo, que o mesmo é dizer, novos produtos, novos objectos capazes de nos tirarem o sono até que os possamos adquirir e, claro está, de um aumento de objectos deitados no lixo, aumentando a área desmesurada que este já ocupa na terra, no mar e no ar.

Que se lixe o lixo, vamos celebrar… venha mais felicidade!