"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

9.27.2009

em BRANCO


Em branco: Não escrito (*)

(*)
"Novo Dicionário da Língua Portuguesa"
Francisco Torrinha, Editorial Domingos Barreira, Porto - 1950

9.08.2009

A pé pela cidade

Andar a pé ou de transportes públicos é saudável num dos casos, cívico nos dois e extremamente útil e benéfico (por razões diferentes) em ambos.
No que ao andar a pé diz respeito, acrescentaria que, para além de um prazer passível de conter sentido estético, pode ser também um acto de higiene mental. O acto de caminhar convida à reflexão, à contemplação, à fruição, que a deslocação mecanizada o mais das vezes inviabiliza.

(…)
Através do andar, o homem começou a construir a paisagem natural que o rodeava (…) A acção de atravessar o espaço nasce da necessidade natural de mover-se com o fim de encontrar alimentos e informação indispensáveis para a sua sobrevivência. Não obstante, uma vez satisfeitas as exigências primárias, o facto de andar converteu-se em acção simbólica que permitiu que o homem habitasse o mundo.
(…)
in: Francesco Careri “Walkscapes”

No caso vertente, andar a pé é bom, não só porque – como já se disse - exercita o físico, propicia reflexão e observação como também, não provoca poluição. Poderiam ser aqui chamados alguns grandes “caminhadores” que preconizaram, praticaram e teorizaram as caminhadas como atitude estética. É o caso paradigmático de Charles Baudelaire, enquanto “flaneur”, reiterado e confirmado bastas vezes por Walter Benjamim. (*)

Diversos nomes grandes da literatura e das artes plásticas, clássicos ou contemporâneos, manifestaram-se incondicionais adeptos das caminhadas na sua componente estética, criativa, reflexiva ou interventiva. Robert Walsser no seu livro “O passeio e outras histórias” não se exime de declarar em letra de forma as virtudes do passeio a pé: “Num passeio longo e profuso ocorrem-me milhares de ideias úteis e utilizáveis. (…) Um passeio estimula-me profissionalmente, mas ao mesmo tempo dá-me pessoalmente descontracção e alegria; repousa-me, dá-me conforto e bem-estar, cons­titui um prazer e tem simultaneamente a propriedade de me espicaçar e estimular a não parar de criar, na medida em que me oferece para assunto fenómenos de valor variável, que mais tarde, em casa, elaboro com zelo e cuidado. Qualquer passeio está sempre cheio de fenómenos significativos, que vale a pena ver e sentir. Imagens, poemas vivos, encantamentos e belezas naturais, tudo isto fervilha literalmente num belo passeio, por mais pequeno que seja”.
Outros artistas e escritores, poderiam ser convocados por também eles contribuirem para a relevancia da caminhada, do passeio, no que à criatividade diz respeito. Entre estes, destacam-se Robert Smithson, Carl Andre ou Richard Long com a sua “A line made by walking”, fotografada durante uma caminhada realizada em Inglaterra, no ano de 1967.

Caminhar sempre, caminhar muito, é um óptimo pretexto para se conhecer o território ou o espírito do lugar, seja ele campo ou cidade. Qualquer pretexto é um bom pretexto, derive ele da uma pré-definida “rota dos monumentos” ou da leitura de um livro que contenha referências a um dado lugar ou uma paisagem específica (estou a lembrar-me de Saramago – o escritor - em dois casos precisos: “A história do cerco de Lisboa” e “O ano da morte de Ricardo Reis”). A comparação entre o lido e o observado, amplifica e diversifica as nossas percepções. É, asseguro, uma experiência interessantíssima que já me concedi o privilégio de experienciar.

Mas não tem necessárimanente que ser uma caminhada dirigida ou orientada. Pode ser apenas uma deriva casual, improvisada, não direccionada ou simplesmente inventada...

“Não conhecer bem os percursos de uma cidade não tem muito que se lhe diga. Perder-se, no entanto, numa cidade, tal como é possível acontecer num bosque, requer instrução” (*)