"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

9.27.2011

Os meus livros | 2


Como já aqui foi dito, pôr os livros em ordem é um trabalho que me fascina, não obstante tal tarefa ter por vezes o seu quê de delirante.

Vem isto a propósito dos “meus” livros se movimentarem para além do que é comum e razoável, desaparecendo por vezes, escondendo-se, volatilizando-se por assim dizer, para reaparecerem de forma inopinada, sem aviso prévio e invariavelmente quando já desisti de os procurar, por considerar não ser possível encontrá-los. Daí que, não raras vezes suceda também, existirem por aqui aos pares… porque um desapareceu e a dado momento faz falta, e porque assim é, compra-se outro e… depois do assunto resolvido, surge ufano o procurado, num lugar improvável ou pelo contrário tão óbvio e evidente que o torna invisível.

Também acontece que ao serem emprestados – e isso é muito frequente – se recusem a regressar. Porquê? Por serem melhor tratados, de forma mais carinhosa ou porventura adoptados, acontecendo que por ficam – onde quer que isso seja – presumo que bem entregues, seguramente em boas mãos, e mais criteriosamente arrumados.

Chego a pensar que tal atitude será causada por não lhes dar a devida atenção, beliscando-lhes o ego, ou por não lhes arranjar melhor acomodamento do que o chão!?!

Que estejam bem, é o que me ocorre pensar. Se um dia lhes aprouver regressar, serão bem recebidos. Sem ressentimento ou ódios de estimação que são coisas que não alimento.

9.17.2011

Os meus livros | 1


Arrumar livros é uma festa, um drama, um fascínio, um horror, uma delícia, um tormento…

Ordenar livros de uma “quase” biblioteca tem que se lhe diga. Também por isso, mas não só, digo “quase” biblioteca porque não sei quantos livros são necessários para se constituir uma.

Se nos ativermos ao que Borges, Eco ou Manguel referem quando falam de bibliotecas, o meu “raquítico” montículo de livros dificilmente poderá ser classificado como tal.

Que designação atribuir então ao agregado de livros que possuo, disseminados por estantes, mas também por outras peças de mobiliário menos adequadas à situação, nomeadamente o chão, que não sendo uma peça de mobiliário, não raras vezes cumpre a função? Seja lá como for, com ou sem nomeação apropriada, necessito que o meu conglomerado de livros seja arrumado, ordenado e que acima de tudo seja considerado um método que obste à confusão que ciclicamente se vê instalada.

Os meus livros, têm por vezes comportamentos bizarros… como que animados de vida própria, entram num processo auto-gestionário e agrupam-se, organizam-se entre si, mostram-se ou escondem-se conforme os humores que os possuem, daí por vezes tê-los aos pares!?!

Sobre este assunto, ainda voltarei a falar.

Tenho sempre enormes hesitações no momento de os arrumar. Conheço quem os arrume de uma forma com tanto de tecnocrática quanto de eficaz. Reconheço as virtudes do sistema, mas não sou capaz. A ordem alfabética não me satisfaz.

Então por géneros… não sei, mas ainda assim…, romance, poesia, ensaio, filosofia e por aí. Mas existe uma enorme porosidade nestas fronteiras ao ponto de comprometer a eficácia da distinção, acabando eu por retornar sempre a primitiva distribuição, a qual não é sistemática, sequer eficaz, num misto de organização disciplinar e proximidade afectiva que é afinal aquela que mais me cativa, pese embora o facto de a curto prazo gerar uma balbúrdia tremenda.

Tal “método”, não tem nada de científico, não é sequer prático e muito menos eficiente, mas é aquele que afinal me deixa contente!

9.09.2011

sem título


O prazer do texto é o momento em que o meu corpo vai seguir as suas próprias ideias – pois o meu corpo não tem as mesmas ideias que eu.

Roland Barthes




Ainda a decorrer no CAM, a exposição de João Penalva justamente intitulada “Trabalhos com Texto e Imagem” suscita um conjunto de reflexões a propósito precisamente da relação entre texto e imagem (linguagens distintas e distintivas) no domínio das artes plásticas.


Se por um lado a poesia visual e os artistas que a ela se dedicaram – Salette Tavares, Ana Hatherly, Ernesto Melo e Castro, entre outros – criaram um universo de significâncias e representações em que a forte expressividade dos caracteres tipográficos ou dos signos por eles criados se constituem como o fundamento das obras criadas, num outro plano e envolvimento plástico do texto com a imagem, as letras, as palavras, as frases, enquanto meio e mensagem, apologética ou contestatária, irónica e corrosiva por vezes ou “apenas” cínica e incisiva, marca forte presença na obra de artistas como Barbara Kruger, Jenny Holzer e Shirin Neshat

ou nos trabalhos conceptuais de Joseph Kosuth, Lawrence Weiner e Bruce Nauman.

No domínio pictórico, João Vieira e António Sena construíram um singular percurso trabalhando de uma forma muito particular o cruzamento entre texto e imagem, visão e linguagem, quer nos alfabetos gestuais por parte de Vieira, quer nas inscrições e rasuras de Sena, surgindo a obra de ambos contaminada pela matéria poética contida na gestualidade, como parte do acto de pintar.

Mais recentemente, explorando outros meios e sobre outros suportes, os trabalhos de Rita Sobral Campos ou Pedro Diniz Reis procedem ao mesmo tipo de questionamento, reivindicando as raízes da “tradição” plástica do conceptualismo, quando esta se ocupa de texto e imagem, em simbiose efectiva ou aparente ou no território não menos inseguro das atitudes paradoxais.

Porque umas coisas levam a outras, e retomando a exposição de João Penalva, está subjacente a todo o percurso expositivo, a relação muito particular que o autor desenvolveu entre texto e imagem, entre os objectos que povoam a sua obra e as linguagens empregues na sua consumação, seja no que diz respeito às representações, seja nas narrativas a que procede acerca de lugares, coisas e situações. Tais narrativas – como as imagens – são tudo menos ilustrativas ou sequer descritivas, ao ponto de ser possível considerar que, umas e outras apesar de agregadas, poderiam perfeitamente ter existências separadas.