"Faço-lhe notar que um ser humano que não sonha é como um corpo que não transpira: armazena uma porção de toxinas"
Truman Capote

12.27.2006

Sonhos em voo rasante

"Temos de fazer grandes sacrifícios e voar e cair uma infinidade de vezes até que possamos voar sem caír"
Otto Lilienthal

Tudo isto foi provocado pelo último filme que vi, “A Ciência dos Sonhos” (e que recomendo vivamente!) e que me fez rebuscar no sótão das memórias e, inevitavelmente, estas vieram atreladas umas às outras, tal como as cerejas que por sua vez são como as conversas – ou vice-versa – e estas por sua vez…

Não tenho a certeza se o “sonho comanda a vida” pese embora o enraizamento desta ideia. Devo acrescentar aliás que não é só esta certeza que não tenho, pois não tenho muitas outras… melhor seria mesmo dizer, que não tenho certezas nenhumas… no entanto, é inquestionável que os sonhos mexem connosco.

Faz tempo que vi, no Teatro da Cornucópia a peça “A Vida é Sonho” do dramaturgo espanhol dos anos de 1600, Calderón de la Barca - também ele grande sonhador - em que, de entre as coisas prodigiosas aí ditas, destaco esta:

“É verdade… diz-se por aqui que a vida é sonho e que vale a pena vivê-la mesmo sendo sonho. Por ser sonho não deixa de ser vida; por ser falso não deixa de ser verdadeiro”

Efectivamente…

Um dos grandes sonhadores da nossa história, permanece envolto em espessa penumbra. As causas? Porque foi, à época, particularmente incomodativo e porque na generalidade, os sonhadores produzem uma sensação de desconfiança nos poderes instituídos – sejam eles quais forem – principalmente se não prosseguirem os desígnios destes!

Mas como ia dizendo, veio-me à ideia uma dessas extraordinárias criaturas de que se ouve falar vagamente e quase sempre em termos mais ou menos jocosos: Bartolomeu de Gusmão.

Conhecido como “padre voador” em metade da Europa da época, por ter descoberto um “instrumento de andar pelo ar”. O seu percurso agitado começou no seminário e acabou nos cárceres da inquisição.

Bartolomeu Lourenço de Gusmão, nasceu em 1685 na Vila de Santos, na colónia portuguesa do Brasil. A maioria dos 12 filhos da prole Gusmão foi orientada pelos progenitores a seguir a vida eclesiástica. Bartolomeu não foi excepção, ingressando no seminário de Belém da Cachoeira onde precocemente iniciaria a sua profícua e multifacetada carreira de inventor.

Não me alongando muito em descrições detalhadas que seguramente se tornariam enfadonhas, retenho de tudo isto o incómodo que todos os visionários e sonhadores têm provocado ao longo do tempo, ou dos tempos, todos os tempos…

Na verdade, seja lá a verdade aquilo que for, hoje a “Inquisição” como instituição, não existe. No entanto, quantas inquisições sob outras designações subsistem por aí, coagindo e cerceando?

Em 1708, já sacerdote, Bartolomeu vem (mais uma vez) a Portugal. Aqui chegado, requer a patente para um “instrumento de andar pelo ar”. Sabido isto, pode imaginar-se o reboliço que tal facto ou a suposta existência de tão prodigioso instrumento terá à época causado.

Mas não só. Rapidamente a notícia se estendeu a outros reinos europeus, circulando imagens fantasiosas do inaudito invento, as quais tiveram origem no próprio Bartolomeu.


Estas ilustrações foram executadas por um aluno de matemática de Bartolomeu – D. Joaquim Francisco de Sá Almeida – com a sua conivência e deveram-se sobretudo à necessidade de preservar o invento da curiosidade, natural diga-se, que tal objecto necessariamente causaria, mas também da espionagem que era na época comum, acerca de mapas, artes de marear ou até de tácticas e instrumentos militares.

Após vários ensaios e tentativas, a última delas, executada ao ar livre, foi coroada de sucesso. A dita “Passarola”, seria afinal um balão de ar quente, ao que se pensa, em tudo semelhante ao invento – posterior – dos irmãos Montgolfier, pelo menos no que respeita aos princípios matemáticos e leis da física aí aplicados.

Nada disto está comprovado porque o padre Gusmão nunca conseguiu reunir o entusiasmo da corte em abono do seu invento, o que obstou a que se fizessem ensaios com modelos em tamanho natural e capazes de transportar pessoas. Todas as experiências levadas a cabo, foram-no utilizando modelos reduzidos.

Bartolomeu de Gusmão acabaria os seus dias em fuga, denunciado que foi à Inquisição como apóstata… algo que, na altura deveria ser mais gravoso do que hoje em dia ser declarado arguido no caso "Apito Dourado"... Se seria só esse o seu “crime” não sei, mas denuncias deste tipo eram (ainda são sob outras vestes) recorrentes relativamente a quem vê mais longe ou tem razão antes do tempo.

Em jeito de conclusão, aqui fica uma estrofe de Sérgio Godinho: “Farto de voar pouso as palavras no chão…”

11.21.2006

"Não te preocupes..."


Inaugurou no passado dia 7, na Galeria IF (ás Olaias, em Lisboa) uma colectiva de fotografia que vai estar patente neste espaço até ao dia 25 de Novembro.

Integrada nessa colectiva está presente um conjunto de 10 imagens (inéditas) de uma série que agrupei sob a designação “Não te preocupes, são apenas sonhos povoados de gestos...”.

A este propósito quero referir que continuo a ter alguma relutância em designar o meu trabalho como fotográfico. Diria antes que são intervenções plásticas que utilizam a fotografia como suporte ou pretexto...

Claro que isto dito (escrito) desta forma soa demasiado pomposo, tresandando mesmo a presunção, mas ainda assim, correndo o risco de ser mal interpretado direi que é mesmo disso que se trata, até porque a escolha das imagens obedeceu mais a um critério que permitiu que se tirasse partido das suas potencialidades, mais como suporte de intervenção, do que o aproveitamento das suas possibilidades expressivas enquanto imagem fotográfica.

Contudo, elas lá estão, numa colectiva de fotografia, para o que der e vier...

11.02.2006

Sax... em Coimbra


Em terra de amores, dos amores de Pedro e Inês, debruçado sobre o rio, situa-se o Quebra Club.
Um espaço magnífico, situado no Parque Verde do Mondego, e perfeitamente enquadrado no projecto de renovação da envolvente do rio.
Parente próximo do Quebra-Costas, pese embora a sua juventude, é já um local de referência mas noites de Coimbra, seja pelos eventos musicais que promove, seja pelas exposições que recebe.
É precisamente aí que está para acontecer uma nova mostra do projecto “Sax Appeal”, entretanto renovado e com montagem adaptada a este novo local.

Fim da linha

Chegou ao seu termo a exposição “Artist Line” na versão que foi apresentada no “Bacalhoeiro”.
Penso que com esta mostra se concluiu um ciclo de existência.
Não estou seguro que o objectivo primeiro desta série de imagens – ilustrar o conceito que lhe está subjacente – tenha sido atingido, nem que o tratamento do tema se tenha aqui esgotado
No entanto e por agora, cumpriu-se.

9.28.2006

Mais algumas linhas...

A propósito da exposição “Artist Line – Linhas de Ruptura” a inaugurar em breve no novel espaço do colectivo cultural “Bacalhoeiro”, situado precisamente na Rua dos Bacalhoeiros em Lisboa, voltei a pensar em como a nossa vida, é toda ela atravessada por uma complicada teia de linhas...
A própria definição de linha é por si só uma complicação.

Numa das mais recentes edições do “Dicionário da Língua Portuguesa” da Porto Editora, encontrei: Linha é (entre muitas outras coisas) “um traço contínuo de espessura variável”, podendo ser também “figura geométrica gerada por um ponto que se desloca no espaço”; “traço real ou fictício que marca a separação entre duas zonas distintas”; etc., etc, etc. No final de todas as definições possíveis – e são muitas – encontra-se esta frase lapidar: “Cada um sabe as linhas com que se cose” que é como quem diz, cada um sabe da sua vida.

Confesso que não sei as linhas com me coso, mas isso não vem ao assunto e como tal, regresso à primeira definição: “Linha é um traço contínuo de espessura variável”.
Esta definição, concreta, precisa e concisa, levou-me a procurar no mesmo dicionário a definição de traço: “Segmento curto de uma linha, risco, impressão, sinal, vestígio”.

Tendo a nítida sensação de que comecei a ser arrastado pela maré, sem terra à vista, pus de parte todos os considerandos sobre os vários sentidos possíveis, os latos, os estritos, e todos os outros e fui procurar o significado de risco: “Linha, traço...” Afinal, os maiores receios foram infundados. Não andei assim tanto à deriva como inicialmente pensei. Parece-me mais que andei em círculos, com um regresso assegurado ao ponto de partida, ou seja, a linha.
Sobre linhas, algumas linhas, já escrevi anteriormente. Outras houve que não cheguei a referir como sejam as linhas de conduta, ou a Linha Azul que no Metropolitano de Lisboa liga a Baixa-Chiado à Amadora, ou a Linha Verde na Cisjordânia que delimita os territórios ocupados por Israel, ou a evocada Linha Vermelha quando se bate no fundo... ou ainda as linhas do futuro lidas na palma da mão (!?!), isto para só referir algumas que me surgiram assim de repente...

Mas, como as linhas podem ser traços, lembrei-me também do “jogo da corda” e do traço que era feito no chão, separando as duas equipas contendoras, puxando cada uma o mais que podia, tentando levar a outra a atravessar o dito traço.

Mas, como os traços também podem ser riscos, lembro-me do meu pai a admoestar-me: “Já estás a pisar o risco...” que é como quem diz, que existem linhas, traços, riscos, que não devem ser sequer pisados, quanto mais ultrapassados – tipo traço contínuo – já se vê...
São afinal limites que não devem ser ultrapassados, aos quais só é permitida, com mal disfarçada indulgência, a transgressão às crianças, aos insanos e... aos artistas!

(Ps: “LimiteLinha que estrema superfícies contíguas...” in Dicionário citado)

9.15.2006

Burros e Livros


É certo que gosto de uns e outros mas esta associação é no mínimo insólita, desde que não estejamos a falar de estórias infantis ou outras que não o sendo, sejam pelo menos suficientemente fantásticas para permitirem uma convivência pacífica entre uns e outros.

Tanto assim é que em alguns nichos sociais ainda persiste o salazarento anátema de que “um burro carregado de livros é um doutor”, o qual tanto evidencia um ancestral desprezo por uns como um ódio visceral por outros.

Falando por mim, devo dizer que gosto de burros e dentre estes, da agora tão mediática raça mirandesa que já existia – menos mediática é certo – antes de Toscano a ter “imortalizado” em tomadas de vista "originalíssimas"...

Gosto também de livros, daqueles objectos constituídos por páginas impressas e capas identitárias que antes se adquiriam em livrarias e agora pululam por todo o lado em que exista um hipermercado ou uma grande e despersonalizada cadeia do grande consumo a que se dá o pomposo nome de mega-store.

Tudo isto se passa num país onde provavelmente a maioria dos seus habitantes nunca viu na vida um burro ao vivo e onde se vendem livros que as pessoas não lêem e onde de vez em quando se arregimentam algumas boas – e notáveis – vontades para incrementar um plano nacional de leitura (em que parte das notáveis boas vontades integrantes nem sequer acredita!?!) com a estrita finalidade de levar o cidadão comum a ler.

Aqui chegado, pesem embora as opiniões contrárias, sou levado a pensar que, provavelmente a batalha está perdida e que a ideia romântica da “Livraria” já foi e a da leitura também... no entanto, algumas bolsas de resistência autorizam um optimismo moderado. Se não neste país, pelo menos noutras latitudes.

Vem esta retórica a propósito de um artigo do insuspeito “Washington Post” traduzido na “Pública” alguns meses atrás, o qual contava a saga dos designados Biblioburros.

Este fantástico empreendimento é fruto do empenho de Luís Soriano, que todos os fins-de-semana, acompanhado de dois burros carregados de livros, percorrem montes e vales do norte da Colômbia, a fim de permitir o acesso à leitura, de populações de aldeias recônditas, situadas em locais que, sómente pessoas a pé ou... de burro conseguem atingir.

Esta acção, para além de louvável é um empreendimento, no mínimo, notável.

Curiosamente, esta verdadeira biblioteca itinerante só tem duas regras a cumprir pelos seus utilizadores: Lavar as mãos antes de pegar nos livros e não escrever nas páginas!

Trata-se realmente de um serviço público – genuíno e gratuito – de alguém que tomou a seu cargo aquilo que instituições com muitos meios, recursos e não menos responsabilidades não fazem.

Mas não é só. Parte dos habitantes dessas aldeias, crianças e adultos, não sabem ler e é também luís Soriano quem procura preencher esse vazio ensinando-os!!!

Tarefa gigantesca esta, que continua, à revelia de optimismos e pessimismo – o meu incluído – indiferente aos índices e estatísticas acerca de níveis de leitura e índices de alfabetização, iliteracia e outros...

Como não ficar sensibilizado?

7.01.2006

Eterno Retorno

Faz agora um ano, que encerrou a Livraria “Eterno Retorno”.
É sempre triste o encerramento de uma livraria, de um café…
Com o desaparecimento destes lugares, desaparece mais um pedaço da memória colectiva.
Desaparecem também espaços de convivialidade, de confronto de ideias e de opiniões.
Naquele lugar, tão pequenino e tão cheio de vida, assistiu-se aos mais variados (e inusitados) eventos.
Peças de teatro, projecção de filmes, palestras, apresentação de livros, performances, concertos, exposições…
Faz agora um ano, encerrou, com a “Eterno Retorno” a minha exposição de desenhos/colagem “Não é por não se conhecer o caminho que a viagem não se faz”.


Foi uma exposição, cujos desenhos, através de composições simples efectuadas com recurso a embalagens, cartões ou papeis de embrulho recuperados, procuravam apropriar-se da dignidade interdita às "coisas sem préstimo", integrando-se no espírito do lugar, buscando alimento para o sonho, energia para a viagem.

Foi a última realização da “Eterno Retorno”.
Esse pedaço de memória vai permanecer comigo e com ele o espírito do lugar.
Quero acreditar que sim.

6.02.2006

Gainsbourg, Serge

Sempre me lembro de ter problemas em memorizar datas.
Memorizar datas de eventos ou de aniversários, sempre constituíram para mim um problema.
Teria sido bonito que este escrito tivesse saído na data apropriada, mas ainda assim…

Em 2 de Abril de 1928, nasceu em Paris, Lucien Ginzburg, filho de judeus russos refugiados das convulsões da Revolução de 1917.
O pai de Lucien dividia a sua criatividade entre a música, a pintura e a frequência activa da noite parisiense.
O jovem Ginzburg, à época, aprende piano não obstante a sua inclinação pela pintura, chegando a dar entrada na École dês Beaux Arts que vem a abandonar decepcionado com os resultados. A decepção é levada ao ponto de, em 1958, destruir todos os quadros.

É neste mesmo ano que muda o nome para Serge Gainsbourg e se dedica de forma apaixonada à música como se haveria de dedicar da mesma forma intensa a outras paixões de que Jane Birkin foi talvez a mais conhecida e aquela que verdadeiramente nunca se extinguiu.

Serge (ou Lucien) era para além do mais um criador. Mas um criador de tal forma irrequieto que quer na música quer noutras áreas onde a sua criatividade de exerceu, nunca se acomodou a um género ou estilo, enveredando por caminhos vários e experimentações diversas, alheio a rótulos, epítetos, críticas ou insultos, levando o seu ecletismo ao ponto de tanto colaborar com Juliette Gréco ou Boris Vian, como concorrer e ganhar o Festival da Eurovisão pela voz da ninfeta France Gall.

Uma carreira musical tão vasta e “torrencial” como foi a sua, teria que ter forçosamente altos e baixos. No entanto, Serge Gainsbourg não se dedicou somente à música. Dedicou-se ao Escândalo e à Provocação, abanando a hipocrisia das convenções sociais com as suas atitudes mas também com os seus filmes, as suas fotografias e as suas declarações: “Há uma trilogia na minha vida, um triângulo equilátero, digamos, de Gitanes, álcool e mulheres”.

É óbvio que esta declaração não pode ser tomado à letra porque a arte (as muitas artes) a que se dedicou e que o absorveram por inteiro impunham a figura de, pelo menos, um quadrado e não de um triângulo cujos vértices proclamou…

A sua música encontra-se repleta de obras intemporais. Cantadas e recriadas não só pelos grandes nomes da “chanson” como por um elevado número de músicos de todas as tendências e latitudes, do rock à electrónica, da América à Ásia, vem sendo regularmente revisitada para dar origem a maioria das vezes, a discos de homenagem. Aqui ficam alguns exemplos desses registos e dos intervenientes:

“Lucien Forever” com a participação de nomes como The Walkabouts, Luna ou Vive la Fête entre outros.
“I love Serge – electrónica Gainsbourg” onde intervêm por exemplo Howie B., Herbert ou dZihan & Kamien.
“Great Jewish Music” com a participação de alguns nomes da vanguarda musical nova-iorquina como sejam John Zorn, Fred Frith ou Marc Ribot.
“Made in Japan” integrando somente músicos japoneses como Fumie Hosokawa, Kenzo Saeki ou Natsuo Ishido.

Com edição deste ano, acaba de sair “Monsieur Gainsbourg Revisited” onde pontuam alguns dos nomes mais sonantes da cena musical alternativa e não só… Franz Ferdinand & Jane Birkin, Cat Power, Portishead, Michael Stipe, Tricky, Gonzales, Feist, são alguns desses nomes.

Aquele que um dia se chamou Lucien Ginzburg e que ficou para a história como Serge Gainsbourg, foi compositor, poeta, actor, músico, cantor, fotógrafo e realizador, havia iniciado a carreira artística como pintor. O mesmo que em 1958 destruiu as suas obras porque não as considerava dignas, nunca abandonou de vez as belas artes, como o comprova a capa do disco “Amour des Feintes” que desenhou para Jane Birkin.

O coração de Serge Gainsbourg de tanto bater, parou no dia 2 de Março de 1991. Teria feito anos no pretérito dia 2 de Abril… Parabéns Lucien!

5.09.2006

"Sax Appeal" em Estremoz

Uma nova mostra de “Sax Appeal” está para acontecer.
Desta vez no Alentejo, mais precisamente em Estremoz.
Uma bela cidade e um belo cenário – o Até Jazz Café – serão, desta vez, o pano de fundo desta mostra.
Em relação às anteriores exposições – em Lisboa - em que este projecto foi mostrado, existem algumas diferenças quer em termos de imagens, quer de montagem. O conceito e o núcleo base da exposição, serão no entanto, os mesmos.
A inauguração será no Sábado 13 de Maio, pelas 18 horas. Á noite haverá música ao vivo.
Para mais pormenores, nada como visitar o site do Até Jazz Café: www.atejazzcafe.web.pt.

4.25.2006

Júlio Pomar


É de pequenos prazeres que se trata…

Acerca deste pequeno livro de poesia, não sei nada. Ou quase nada, para ser mais preciso. O pouco que sei, digo-o em poucas palavras porque pouco mais é do que aquilo que se pode saber pela capa. Reconheço, porém, que não me dei a investigações mais aturadas.

Será talvez uma edição de autor, dado não haver qualquer menção editorial. O único dado extra é “Lisboa 1950” e é tudo.

A poesia impressa, não resiste ao tempo. Resta-lhe, é a minha opinião, opinião de um não literato – o lugar documental no âmbito da resistência e da urgência da sua mensagem de revolta contra a ditadura de cariz fascizante que na época, pela força se impunha e que havia de durar até 25 de Abril de 1974.

(É bom lembrar hoje esse aniversário!)

Mas não é só isso que eu não sei, nem é apenas isto que eu sei.

Ignoro também se o belo desenho que surge na capa, foi feito propositadamente para ela ou se já existia e foi adaptado. Assim como ignoro a relação entre Pomar e o poeta. Se a cumplicidade entre eles era maior ou da exacta medida da militância de ambos.

Seja como for, é um pequeno (grande) prazer contemplar esta capa. Isso, eu sei. Apreciar a sua simplicidade despojada, como o seu afirmativo “silêncio” perante as palavras que o livro transporta. Marca presença apenas, o que não é pouco.

Mas vem tudo isto a propósito de pequenos prazeres… daqueles em que o João é mestre, ao proporcionar-me descobertas destas… É mais do que provável ter encontrado este pequeno tesouro num recôndito recanto de algum alfarrabista…

4.19.2006

Asfixiante Cultura



Veio agora parar-me às mãos o livro “Asfixiante Cultura” do artista plástico Jean Dubuffet (1901-1985).
Originalmente editado em França em 1986, foi em 2005 objecto de nova edição em Portugal.

Jean Dubuffet surge “arrumado” nalguns compêndios de História de Arte, na prateleira da Arte Informal. Se por um lado esta corrente artística tende a pôr de parte qualquer tipo de figuração, dando ênfase à matéria pictórica, à cor e à textura, verifica-se que em Dubuffet, tal não acontece por inteiro. Não pondo de lado a figuração, este utiliza formas de representação, incorporação de matérias, cores e texturas, que com essa corrente se identificam.

As suas figurações e representações provêm de outros universos. São representações (a maioria das vezes) figurativas que se assemelham por exemplo, aos desenhos de crianças ou doentes mentais, deflagrando como manifestações de puro instinto, de onde qualquer racionalidade se encontra arredada.

Era precisamente assim que se manifestava a “Arte Bruta”, conforme propunha Dubuffet na década de 1940. Uma arte feita à margem da cultura e contra a cultura.

Tive ocasião em 2000 de visitar duas exposições de Jean Dubuffet.
Refiro-me concretamente à exposição “Jean Dubuffet” da Culturgest (onde os bilhetes ainda eram personalizados) e também às “67 obras sobre papel” que na mesma ocasião foram mostradas na Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva em complemento da anterior.

Nessa exposição da F.A.S.V.S. foi dado a conhecer um texto da autoria de Daniel Cordier, do qual aqui fica um excerto:

“A obra de Dubuffet é uma luta contra o olhar elaborado que, no espírito, traduz a eficácia, isto é, o mundo da mão. Para apreender a riqueza lírica do universo, o artista conserva a liberdade puramente muscular do olho sem a intervenção da consciência. Aliás, Dubuffet suspeita da consciência. Pensa que esta altera tudo o que toca e que, sobretudo, se opõe ao conhecimento das coisas em vez de o estimular. O artista persiste em encontrar acessos e vias para os quais a consciência pouco contribua. Nos seus trabalhos, o olhar reconquista a sua inocência e os seus deslumbramentos, e estes, por sua vez, extraem do universo das coisas o inesperado e o incomparável. Esta recusa das categorias ópticas tradicionais devolve à sua visão uma braveza saudável, selvagem.”

Este pequeno fragmento de texto, espelha não só a obra, mas também a forma como o artista a encara, o que transparece sobejamente no livro “Asfixiante Cultura” agora (re)publicado:

“Conferir à produção de arte um carácter socialmente meritório, fazer dela uma função social honrada, falsificam gravemente o seu sentido, porque a produção de arte é uma função propriamente e fortemente individual, e por conseguinte em completo antagonismo a toda a função social. Só pode ser uma função anti-social, ou pelo menos, associal.”

“Asfixiante Cultura” merece uma leitura atenta e isenta de preconceitos. Sobretudo uma leitura que consiga penetrar para além das espessas muralhas de ironia assentes com a argamassa da provocação, que circundam todas as ideias essenciais do texto.

Se assim não for, o sentido último deste perder-se-á na medida em que o leitor desatento acabará por se sentir atingido pelos contundentes golpes do autor, cujas palavras têm gumes acerados, apontados em todas as direcções, contra tudo e contra todos, no que à cultura e intelectualidade diz respeito, nomeadamente a cristalização de conceitos, o ordenamento dos ímpetos e o atenuar de propósitos.

Mas sempre assim foi. Aquilo que é fracturante hoje, iniciará novas correntes e acabará a fazer escola amanhã.

“A posição de subversão cessa, evidentemente quando esta se generaliza para finalmente se transformar em norma. Inverte-se nesse momento de subversiva em estatutária. Mas a sua virtude enfraquece já antes disso, progressivamente e á medida que aumenta o número daqueles que dela partilham. Aumenta pelo contrário, à medida que esse número se minimiza”.

Jean Dubuffet tinha disto uma consciência plena, mas ironicamente, nem ele próprio saiu ileso…


4.03.2006

Rothko

Chegar a Rothko através de um outro…


De facto, assim foi. Não fora eu um apaixonado pela obra de Mark Rothko, provavelmente este (outro) Rothko passar-me-ia ao lado.

Tudo começou num disco: Distant Sound of Summer escutado em dia de implacável invernia. Assinavam esse disco Susumo Yokota – considerado actualmente como um dos mestres da música ambiental – e… Rothko.

Esta dupla já tinha registado antes uma outra colaboração, Waters Edge no formato EP, também ela bastante interessante. Independentemente do apreço que tenha (e tenho!) pela obra do japonês (para além de músico, artista plástico), o que realmente motiva este escrito é Rothko – o projecto musical - e desse, eu sabia… nada.

Havia pois que investigar.

Esta “coisa” da investigação, leva-nos sempre muito para além do objectivo inicial que nos propusemos… Neste caso, ainda bem, porque me deparei com uma obra singular e a todos os títulos notável: Blues: The Dark Paintings of Mark Rothko da autoria de Guitar Roberts – pseudónimo utilizado por Loren Mazzacane Connors.

Não tendo a pretensão nem a veleidade de fazer um levantamento exaustivo das obras musicais que se compuseram inspiradas ou influenciadas na/pela pintura de Mark Rothko e deixando de lado a música erudita, penso que este último disco seja referência obrigatória.
E tão mais obrigatória, quanto as afinidades são imediatamente detectáveis. Toda a carga dramática que a fase derradeira e instável da vida e obra de Rothko (o pintor) está contida nestes sons que a exacerbam e projectam numa emotividade de serena exaustão causada pelas atribuladas e trágicas vivências que até aí o conduziram.

Mark Rothkovich nasceu em Dezembro de 1903 na Rússia. Aquele que viria a ser considerado um dos maiores pintores americanos de sempre, só chegou ao território americano (Portland) com dez anos. Viria a ser em Nova Iorque que o jovem Rothkovich se converteria no Rothko que hoje se conhece.

As vicissitudes porque passou desde o anonimato à consagração, não são de todo o objecto deste texto, contudo, faz sentido referenciar a corrente artística que conjuntamente com outros protagonizou: O Expressionismo Abstracto ou Escola de Nova Iorque.

Esta corrente artística, era mais um processo do que um estilo. O objectivo daqueles que a integravam era o de expressar sentimentos através do acto da pintura, para além do produto final em que essa pintura resultasse. Daí que fosse uma corrente artística sem unanimidade visual, na qual conviviam para além de Rothko, nomes como Jackson Pollock, Willem de Kooning ou Barnett Newman.

Enquanto por exemplo a pintura de Kooning ou Pollock é uma pintura de acção (Action Painting), onde o movimento, o gesto, são determinantes, Newman e Rothko, pelo contrário não são pintores de acção. A força emocional que atribuem à cor é preponderante ao ponte de, a ela se referirem como uma “pintura de campo de cor”.

Numa última tentativa de definição, cito as palavras de William Seitz, para quem os artistas que integravam o movimento designado por Expressionismo Abstracto “valorizavam a expressão mais do que a perfeição, a vitalidade mais do que o acabamento, a flutuação mais do que o repouso, o desconhecido mais do que o conhecido, o velado mais do que o claro, o individual mais do que o social e o interior mais do que o exterior”.

Mark Rothko pôs termo à vida no ano de 1970, a 25 de Fevereiro. Para a história fica a delicadeza, mas também a emoção da sua pintura de “campos de cor”.
Creio ser precisamente nestes campos de cor, rectangularmente vagos, cujas margens suaves e nebulosas não só não estabelecem fronteiras, como deixam tudo em aberto, que os músicos se deixaram “contaminar” e estabeleceram um percurso sonoro puramente abstracto, mas absolutamente ancorado à pintura que evocam.
Rothko, o projecto musical, surgiu em Inglaterra na primavera de 97, com uma formação pautada pela invulgaridade: um trio de baixistas. Da sua formação inicial faziam parte Mark Beazly, Crawford Blair e Jon Mead, a que se juntavam esporadicamente outros instrumentistas convidados.


Após a gravação de três álbuns, Mark Beazley desfaz o colectivo em 2001, prosseguindo no entanto com o projecto sob a designação Rothko, tendo com ponto de partida para o reinicio da actividade em disco, as já citadas parecerias com Susumo Yokota. Depois dessas gravações, muitas outras se sucederam, em nome próprio ou em parcerias que envolveram cumplicidades várias como Caroline Ross ou Four Tet.

Vale pois a pena investigar, mas vale sobretudo a pena escutar…

3.20.2006

Umbigo


Acaba de sair o número 16 da revista UMBIGO, onde vem publicada uma parte da parte (confuso?) fotográfica, de um projecto da minha autoria denominado “Artist Line”.

Trata-se de um projecto em constante expansão que já foi parcialmente mostrado, mas não na dimensão que hoje possui.

Enquanto a sua execução decorria, fui sistematizando ideias, formulando e reformulando conceitos que deram origem a textos de reflexão, tendo como referencia este projecto. Não no sentido de o justificar, mas mais como contributo para a sua estruturação. São esses textos, “Algumas Linhas” e “Expostos às Imagens” que seguidamente apresento.

Falei de “parta da parte”… Queria aí referir-me à componente maioritariamente fotográfica deste projecto, a qual tem propósitos que se podem considerar, por assim dizer, “narrativos”, e cuja apresentação se faz por dípticos onde uma das imagens é constante.


A outra parte de que ainda não falei é constituída por peças de maiores dimensões, que a espaços regulares intercalam os já referenciados dípticos. Estas peças integram, também elas, fotografias, mas que neste caso acompanham desenhos, em técnica mista. Estes replicam as bandas listadas das fotografias que se repetem nos dípticos, mantendo a sequência e a obliquidade destas.

Como já antes mencionei, este projecto foi crescendo, sendo revisto, aumentado, reformulado, pelo que talvez se justifique de novo a sua mostra, desta vez integral.

Espero fazê-lo em breve.

Algumas Linhas

Existem vários tipos de linha. Umas mais interessantes, outras nem por isso.
Mas existem e fazem-se notar ou sentir despudoradamente, intervindo de forma a orientar, enquadrar, cercear.

São, o mais das vezes muito concretas e definidas, podendo contudo ser imponderáveis ao ponto de colocar em dúvida a sua existência.

De forma perfeitamente aleatória, podem referir-se a linha de contorno, a linha de pensamento, as (simpáticas) linhas dos eléctricos, a linha de sombra (de que falava Conrad) as linhas de bordar e coser, a linha do horizonte (quanto esforço para a empurrar cada vez mais para além…), a linha do futuro, a linha de fronteira (Não!)…

Mas uma linha a merecer uma reflexão mais prolongada, é aquela que quer pela sua fluidez quer pela sua elasticidade permite que se façam juízos de valor, se assimile ou rejeite, se absorva ou se condene em atenção a ela.

É a linha de separação entre o que pode ou não ser socialmente aceite.


A que estabelece ou define o que são comportamentos desviantes, subversivos ou chocantes em oposição aos comportamentos integrados, absorvidos, conformados.

Sem dúvida que a linha de artista é tudo isso e mais ainda a que proclama que o que está para aquém ou para além dela pertence ou não ao mundo da arte.

(20 de Março de 2005)

Expostos às Imagens

Somos diariamente confrontados, quer em quantidade, quer em velocidade, com sucessões avassaladoras de imagens.

Estas surgem-nos abruptamente em cada esquina, em cada publicação, em cada ecrã, por vezes como se tivessem vida própria e capacidade de, espontaneamente, se reproduzirem.


A sociedade actual vive da imagem e pela imagem. Nunca como agora esta foi tão preponderante a todos os níveis como nos dias de hoje, ao ponto de a sua omnipresença se tornar tão esmagadora quanto indispensável para que o mundo, tal como o conhecemos, continue o seu perpétuo movimento.

Depois de todas as encenações, manipulações e adulterações de factos e acontecimentos levados a cabo à custa de imagens, valeria a pena voltar a discutir a problemática da chamada “realidade” e da sua interpretação/representação.

A cada vez mais fácil reprodutibilidade das imagens, primeiro na publicidade e depois também na arte, retiraram ao conceito de “original” a aura mítica que lhe foi/é inerente instalando-se um estado de banalização e de aceitação passiva desta incessante veiculação. A globalização, a “sociedade da informação”, disso se encarregaram.

Como pensar em originais quando as reproduções circulam em quantidade e velocidade esmagadoras e estonteantes?

A sociedade actual não sobreviveria sem imagens e nós já não podemos passar sem elas.

A fotografia é, na sua essência, o paradigma da reprodutibilidade.

Enquanto o negativo estiver intacto, “aquela” imagem pode ser reproduzida até à exaustão dos meios. Isto, sem se considerar as possibilidades de reprodução e circulação digital…

Como objecto artístico, a fotografia está nos antípodas do “objecto único”.


Perante isto, ao artista só resta se quiser contrariar o pressuposto, intervir sobre a imagem fotografada a fim de deixar nela a marca da sua mão e conferir-lhe o estatuto de irrepetível, pelo menos por aquele processo e daquela forma, o que não deixa de ser contraditório como o meio de expressão escolhido.


Trata-se pois de contrariar os “meios”, tendo em vista o fim.

Afinal faz tudo parte do espectáculo do qual mal ou bem, de forma interventiva ou ingenuamente contemplativa, todos fazemos parte.

(17 de Março de 2005)

3.08.2006

Envelope 9


















Não nutro qualquer simpatia pelo jornal “24 Horas”, nem qualquer tipo de apreço pelo tipo de jornalismo que por ali se pratica.

O “24 Horas” como tablóide que é, faz do sensacionalismo a sua essência. Provavelmente, quem o dirige e edita, estaria longe de imaginar quão sensacionalista seria a reacção do Procurador-Geral Souto Moura à denúncia sistemática ás abusivas escutas telefónicas efectuadas no âmbito do “Caso Casa Pia”, levada a cabo nas suas páginas,
Não são, de forma alguma aceitáveis as atitudes (não só esta, as outras – quase todas – também) do Procurador Souto Moura e da sua equipa.

Não o são para mim, como também para outras pessoas, algumas delas figuras públicas como Miguel Sousa Tavares, José Manuel Fernandes e alguns (poucos) mais que vieram a público manifestá-lo. Se entre os “poucos mais” incluirmos os lesados e visados pelas escutas, são realmente muito poucos… os tais “mais”.

É de ir às lágrimas a forma como a invasão da redacção do “24 Horas” saiu relatada no “El País” sob a forma de notícia e que transcrevo do “Courrier Internacional”: “Quatro agentes e dois promotores irromperam pela redacção gritando: Tirem as mãos do teclado, não toquem em nada e saiam! Duas horas depois saíram com o computador do jornalista…”.

O cenário, é a redacção de um jornal, num país definido como um Estado Democrático, cuja Constituição tem em si consagrados os direitos, liberdades e garantias dos seus cidadãos. Mas o cenário onde tudo isto se desenrolou, poderia com pequenas nuances frásicas e de décor, ser um qualquer Saloon do velho oeste, transfigurado em Western Spaghetti (honra seja feita à memória de Sérgio Leone) com banda sonora a condizer do Ennio Morricone. A frase, essa, não seria muito diferente: “Mãos ao ar – que ninguém se mexa!”…

O que aqui está em causa, não tem nada que ver nem com justiça, nem com a sua aplicação. Tem que ver – tudo – com abuso de poder e prepotência fora de qualquer controle, o que permite proceder a todos os desmandos (e mais alguns ainda) em total impunidade.

O Procurador-Geral da República, é uma das principais figuras da hierarquia do estado. Acima dele, na tal cadeia hierárquica, está o Presidente da República, aquele mesmo que foi alvo de escutas e lhe exigiu rápidos esclarecimentos acerca disso mesmo. O “isso mesmo” é a listagem de chamadas existentes no famoso Envelope 9, conter um elevado número de nomes de políticos e titulares de cargos públicos - entre eles o presidente! – sem que tal seja devidamente explicado.

O sr. Souto Moura, não só não deu cumprimento à exigência do Primeiro Magistrado da Nação, como no mais pueril e mesquinho sentimento de vingança, decidiu invadir a redacção do jornal e confiscar os computadores de quem denunciou o atropelo!

Atitudes do tipo “quero, posso e mando”, nunca constituíram exercício de autoridade. Para isso existe outra designação: Autoritarismo.

O que é que sobra de tudo isto? O sr. Presidente Jorge Sampaio termina o mandato e vai para casa de consciência tranquila “pôr o cinema em dia” (como o próprio declarou) e o sr. procurador mantém-se no cargo para o que der e vier. Mas, sobra também o sentimento de que quem se opuser ou denunciar desmandos, atropelos e ilegalidades vai sofrer as consequências!

O cercear das liberdades e dos direitos e a justa indignação quanto a isso. São não só questões morais e de princípios, são também questões culturais.

Se houve mobilizações e manifestações de repúdio aquando da extinção do Ballet Gulbenkian ou da substituição da direcção do Teatro D. Maria – que eram (e são) questões importantes, esta não o é menos.

Cidadania, é também cultura. Não é um exercício que se esgote com a colocação do voto na urna com data marcada, lavando com esse acto a consciência cívica. É também rejeitar actuações como a relatada e dizê-lo publicamente. É recusar o silêncio cúmplice – a começar pelos deputados eleitos da nação, todos eles!!! – que passam ao lado deste caso sem que nenhum levante a voz, quando tem legitimidade acrescida para o fazer e audiência assegurada para se fazer ouvir.

Quer-se a dignificação dos cargos públicos? Não se quer acentuar o divórcio entre cidadãos e políticos? Apetece dizer: Bem-haja Saramago e o “Ensaio sobre a lucidez”!

Agora foi o “24 Horas”. E a seguir?
É mais do que provável que futuramente qualquer órgão de informação que ponha a descoberto situações de clara ilegalidade ou violação não justificada de privacidade estará sujeito a isto… Será então que todo este aparato deve ser interpretado também como elemento dissuasor. Um desincentivo a futuras denúncias junto da opinião pública?

Opinião pública essa, que felizmente existe e é livre de se expressar, mas que infelizmente não se indigna (que é quase o mesmo que não existir).

Para concluir a descrição desta farsa, deixo dito que eu (e em princípio) a meia dúzia de leitores regulares do blog, nos indignamos em uníssono e o manifestamos de forma ruidosamente inaudível a partir desta página. Deixo dito também que democraticamente exijo – em nome do direito de igualdade de oportunidades – que este computador me seja confiscado, porque conforme prova fotográfica que junto, também eu tive acesso ao “Envelope 9”.

3.02.2006

Broken Flowers


Já ouvi alguém dizer, que se “Broken Flowers” tivesse sido realizado por outro indivíduo, não teria a repercussão que teve.

Não sei se quem o afirmou quereria mesmo empregar repercussão, porque para a ironia funcionar em pleno deveria ter sido dito sucesso… e o sucesso não fica bem aos autores de culto.
Como todos sabemos, o autor ou objecto de culto, tem alguns requisitos a cumprir: Estar nos antípodas do sucesso, ter um diminuto número de aguerridos seguidores e suscitar a indiferença generalizada, porque se assim não for…

O que eu sei é que dificilmente um filme assim poderia ter sido realizado por outra pessoa que não Jarmusch.

Aliás, apetece-me acrescentar, por comparação que já se escutaram comentários de teor similar, acerca por exemplo, de pinturas de Juan Miró…

Voltando ao filme, é evidente que não se trata de um marco na história do cinema, nem se trata sequer de um filme notável. É apenas um filme, um produto sério de um realizador honesto, que apesar do cerco resiste e continua fiel a si próprio, o que numa época de infidelidades e hipotecas várias, é por si só um feito.

Mas… nestas coisas existe sempre um mas, se tudo o mais não bastasse, teríamos a personagem incontornável de Bill Murray, que sem rasgos de coisa nenhuma, impõe a sua presença serena e imperturbável através de todo o filme – como já o havia feito em Lost in Translation de Sofia Coppola – para aquém e para além do caricato de algumas das situações em que o argumento o envolve.

Por causa de “Broken Flowers” que se encontra em reposição, acabei por rever em DVD “Lost in Translation", aproveitando para matar saudades (sonoras saudades) de Kevin Shields e demais intervenientes na banda sonora.
Depois da revisão, a ideia que tinha acentuou-se. Estes dois filmes, não sendo obras-primas (ainda se fazem?), estão bastante acima da mediania. Ambos são suficientemente ambíguos para proporcionarem mais do que a leitura imediatista em que a generalidade do cinema americano actual se encerra e ambos se encontram povoados de personagens errantes e espessas ao ponto de se tornarem enigmáticas.


Isto assenta perfeitamente a Bill Murray e à forma suave como cruza as cenas, com plena consciência do inelutável, que não é o mesmo que resignação.


Porque Bill Murray é o elo de ligação entre estes dois filmes, serve de forma excelente como pretexto para referir aqui um terceiro: “Coffee and Cigarettes” também de Jim Jarmusch onde o mesmo Bill Murray representa, nada mais, nada menos do que o papel de si próprio…

Fica aqui a ameaça, de café e cigarros, voltarei a falar aqui em breve.

2.26.2006

Errâncias de um "flyer" - Parte 1

Talvez seja exagerado fazer qualquer analogia entre estas errâncias e o conceito do flaneur tal como Charles Baudelaire o enunciou e Walter Benjamin o teorizou. No entanto, subjaz aqui algum resquício desse ideário, nas atitudes irrequietas, inquietas, por vezes irreflectidas deste flyer.

2.21.2006

Catacumbas Jazz Bar


A exposição “Sax Appeal” constituída apenas por imagens fotográficas e tiras de contacto intervencionadas, esteve o ano passado, entre 8 e 29 de Novembro, no “Catacumbas Jazz Bar”, na Travessa Água da Flor (Bairro Alto).

Foi para mim um prazer enorme ter tido a possibilidade de a mostrar ali, dado tratar-se de um local com uma mística muito própria, quer em termos de “movida” nocturna, quer em termos de cena jazzística.


Expresso daqui os meus públicos agradecimentos ao Manuel Pais, inexcedível em boa vontade e simpatia, tendo surpreendido os inúmeros presentes na noite da inauguração com uma série de “blues” atacados ao piano com uma energia e um feeling notáveis.

Durante o tempo em que esta exposição decorreu, fui fazendo uma série de fotografias tendo por motivo central o “flyer” (excelente) que a Margarida concebeu para o efeito. É essa série que vou passar a mostrar aqui – proximamente – em primeira-mão.

O conjunto de imagens expostas, transitou posteriormente para o Bartô onde permaneceu até 14 deste mês.

Quando a proposta de levar a exposição para a Costa do Castelo me foi apresentada, pensei que não faria nenhum sentido transpô-la assim, exactamente como estava, até porque as características físicas do espaço sendo diferentes, o espírito da mostra também teria necessariamente que o ser.

“Sax Appeal” tinha de facto sido concebida para mostrar no “Catacumbas Jazz Bar” ou eventualmente noutros locais onde a tradição do jazz fosse preponderante.

Não era (não é) de todo esse o espírito do Bartô que integrado no Chapitô é por excelência um local de experimentação e de ousado ecletismo nas propostas e iniciativas que leva a cabo.

Perante isto, havia que modificar a ideia inicial, tendo a preocupação de não a descaracterizar. A ideia imediata que me surgiu após a “apalpação” do local, foi a de remistura.
Pegar nos ensaios e estudos iniciais – que estiveram na origem das imagens fotográficas – e a partir deles executar um conjunto de outras imagens, desta vez desenhadas, que evidenciassem a luz e a sombra como os médiuns determinantes deste projecto, e fossem em simultâneo remixes dos temas originais, à semelhança da série da Verve, com as edições Unmixed e Remixed foi o primeiro passo.
Alterar a designação da exposição para "Sax Appeal Remix", foi o passo seguinte.

A intenção foi essa. Não sei se, aos olhos de quem presenciou, a ideia funcionou nestes termos e por conseguinte se o resultado foi plenamente alcançado. Sei, isso sim, que me deu um enorme gozo fazê-lo.

2.19.2006

Devendra (1 Artista)

Todos nós, e por este ”nós” entenda-se os apreciadores das músicas deste tempo, passamos por isto: Haver o “disco do momento”. Aquele disco que, por uma razão ou outra é mais escutado que os outros. Seja no atelier ou em casa, para acompanhar a feitura de um trabalho, o desenrolar de um projecto ou tão-só para escutar.

Ele aqui fica então o meu disco do momento: “Black Babies”















Não se trata, em absoluto, de nada do género “se fosse para uma ilha deserta e só pudesse levar 10 discos… Trata-se antes pelo contrário de um regresso ao prazer das coisas simples, na verdade, só aparentemente simples.

Se nos conseguirmos abstrair do ar messiânico do personagem Banhart, tal como tem surgido nas fotos promocionais, das hordas apostólicas que já gerou cá pelo burgo e do marketing evangelizador que o rodeia, a disponibilidade para apreciar a música será maior e isenta de preconceitos desnecessariamente redutores.

Digo isto sem quaisquer problemas, até porque não integro qualquer congregação, seja lá ela do que for. Se neste particular pertenço à imensa minoria dos que escutam Devendra Banhart é pelo inegável sensação de prazer que tal audição me transmite. Creio ser este um caso pontual e de modo algum merecedor de maiores cuidados…

Esta “onda” acústica ou semi, dificilmente simples (não nos iludamos, porque a simplicidade é muito difícil de conseguir) teve percursores como Dylan e Cohen – refiro estes para não recuar demais no tempo – mas também os que se seguiram como Tim Rose, Nick Drake, Tim Hardin, Loudon Wainwright III (precisamente… pai de Rufus) e “os” Buckley, pai e filho.

Não seria de modo algum descabido, convocar aqui Sid Barrett na qualidade de grande visionário oficiante, o que quadra bem com a postura entre o místico (a fazer lembrar Rasputine) e o onírico de Devendra, ambos com os mesmos propósitos ocultos de transformar a nossa esfera em algo senão melhor, pelo menos mais agradável de suportar

É conhecido por quem se interessa por estas coisas, que o homem não caminha só. Em termos puramente musicais e continuando a falar de coisas simples, a brecha havia sido recentemente reaberta, numa vertente menos etérea é certo, por Beck Hansen no semi-ostracizado “One foot in the grave” (retocado e polido depois em “Sea Change” e continuadamente escavada por gente como Damien Rice, Matt Elliott, Mica P. Hinson, Chris Brokow. José González e sei lá quantos mais.

Inevitavelmente acabará por suceder o que sempre sucedeu e sucederá na moldura social e global em que vivemos (agora com uma rapidez maior). A novidade de hoje será inevitavelmente descartada amanhã para ser reciclada a médio prazo sob um outro embrulho e decorada com novos adjectivos. É assim na moda, na música ou noutras artes. As economias de mercado, trituram e/ou absorvem até os fenómenos mais radicais, controversos e contestatários. Veja-se o que se passa agora mesmo com a recém elevação ao Olimpo do Dylan de “Blowing in the wind” e “The times they are changing”.

Não é minha vontade participar em novos endeusamentos pós crucificação e redenção/remissão dos antigos, Como não é minha intenção que esta prosa seja tomada por aquilo que não é. Faço questão de afirmar que esta não é, de todo a apologia do “regresso à pureza primordial” desde o episódio na maçã, protagonizado por um duo denominado Adão & Eva.

Voltando ao tema central deste texto, quero salientar que acho muito bem que Devendra Banhart desfrute a fama de que neste momento goza. Ironia das ironias é ter começado a fazê-lo pela mão do (naturalmente nascido) iconoclasta ex-Swans Michael Gira!!! Coisas do destino que também passam por atendedores de chamadas…

Não obstante a fama e o estatuto já alcançados, Banhart tem pugnado por trazer para a ribalta nomes e personagens obscuros da cena musical em compilações que organiza ou inspira. Por essa via é dado conhecer à “imensa minoria” que o segue e aprecia, músicos que de outro modo seriam do conhecimento exclusivo de uma minoria ainda mais imensa.

Pode referir-se por exemplo Joanna Newsom, que já cá esteve na ZDB e no Santiago Alquimista (aqui, via Smog) ou Josephine Foster, Iron & Wine ou Little Things entre outros que integram o CD compilação de 2004 “Golden Apples of the Sun”, que não é caso único.















Para terminar, não posso deixar de referir o facto das capas dos seus discos serem da sua autoria o que não é um dado menor, e confessar que gosto muito das capas e da sua inscrição nesse universo peculiar que é o de Devendra Banhart. Claro que não seria preciso dizer que também gosto dos discos. Dos óbvios e obrigatórios, mas também deste. Especialmente este, que não é nem uma coisa nem outra e tem uma capa muito bonita.

2.10.2006

Com a devida vénia ao Luís Afonso



Também já passei por isto...

O início (do caderno)

Confesso que encaro mais esta aventura com um entusiasmo “quase” infantil (!?!), daqueles que se têm quando se recebe um brinquedo novo!

Este confessado entusiasmo, de modo algum retira seriedade à atitude e empenho neste compromisso, que é também um risco [assumido], de e com a assiduidade possível, ir preenchendo aquilo a que chamarei “carnet de voyage”.

Para o percurso não defini objectivos muito precisos, nem estabeleci planos muito rigorosos. O desígnio é fazer o caminho caminhando, segundo as premissas do poema de António Machado.

Aquilo que aqui se for escrevendo e mostrando, salvo indicação em contrário, será pois da minha autoria e responsabilidade.

Serão pois apontamentos de viagem escritos em “caderno de autor”.

Quero expressar aqui um especial agradecimento à Margarida e ao João, pois sem a sua ajuda e apoio “isto” não seria possível.

Neste espaço procurarei partilhar, mais do que exibir, trabalhos, projectos, ideias, devaneios, sonhos, fantasias… pressupondo que estes e estas interessarão a mais alguém do que a mim próprio…

As formas de expressão plástica nas suas [muitas] variantes, terão papel de destaque, com natural ênfase para a imagem, porque é nesta área que exerço a minha actividade.

As múltiplas disciplinas artísticas e as várias áreas da criação cada vez mais se interpenetram e interagem, quer entre si quer com o meio e por isso mesmo influenciam vivências e se deixam por elas influenciar, combinando e recombinando linguagens diversas.

Daí a pertinência de deixar estas páginas abertas a outras actividades, de lazer e fruição e outras manifestações de criatividade, que ao integrarem essas mesmas vivências vão fazendo e desfazendo a vasta teia de cumplicidades e afinidades em que estas se fundamentam, destruindo barreiras e alargando horizontes.

Sax Appeal Remix



Esta exposição tem como objecto o saxofone, por muitos considerado o instrumento rei no jazz, sendo por assim dizer, uma homenagem.

Partindo desta premissa e apoiado nas sonoridades de um erotismo latente, que saxofonistas como Coleman Hawkins, Ben Webster e outros produziram, ficou definida a ambiência em que o projecto se desenvolveria.

Enquanto o projecto crescia e com o intuito de acompanhar a mostra, elaborei um texto [que viria a ser publicado no programa mensal do Bartô] em que explicava os comos e porquês do que era dado ser visto e não… lido

Tudo isto porque, quando no início do mesmo, ao falar, descrever e mostrar este projecto, aquilo que para mim era evidente, não foi completamente entendido. Ou não me soube fazer entender ou o objectivo não terá sido alcançado…

Fui dizendo que este não é propriamente, ou pelo menos não é somente um trabalho fotográfico, porque as imagens que o constituem são mais desenhos de luz e sombra do que outra coisa.

Também não me propus ensaiar visitas guiadas com recurso a retóricas do género “reparem como a curvatura do instrumento acentua a sinuosa forma…” Mal estariam as imagens se não falassem por si!

As tais imagens – fotografadas que são afinal desenhos de luz e sombra são acompanhadas das respectivas tiras de contacto intervencionadas, as quais completam e evidenciam a escolha das imagens e o seu suporte analógico.

As tiras de contacto foram assinaladas, rasuradas, cobertas, riscadas com esmalte sintético e depois coladas, rasgadas, justapostas, sobrepostas, numa intervenção onde o gesto está presente, tornando-as, nestes moldes, irrepetíveis.



Tendo como ponto de partida as imagens fotográficas, apresento também desenhos que as recriam sob o mesmo [pretendido] conceito: confinar as imagens à sua essência de luz e sombra, depurando-as do acessório, mas dando em contraponto, natural relevo ao instrumento referencial deste projecto.



Resta-me acrescentar o agradecimento especial ao Pedro Barros do Bartô pelo convite que me fez para expor naquele espaço, ao staff do Chapitô pela colaboração e aos músicos actuantes na noite da inauguração – Rodrigo Amado, Alípio Carvalho e Bruno Parrinha – que entre a contenção e a deflagração, fizeram desta uma festa, uma verdadeira celebração "saxual".

(o tal texto)

ENSAIO EM TORNO DE UM SAX...

… são desenhos de luz e sombra mas são também imagens fotografadas de sons.
Não de quaisquer sons, mas de sons afagantes e afagados pelos saxofones de Ben Webster, Coleman Hawkins, Gerry Mulligan, na revisitação cálida e enfumarada de “In the wee small hours of the morning”.
Mas poderiam ser outros, todos os outros, antigos e modernos, clássicos ou contemporâneos que, com o seu fraseado sensual acentuam o erótico arredondado da linha de contorno, não mais que a fronteira entre a luz e a sombra, que o instrumento prossegue quando dá livre curso ao seu embriagante improvisar.
É afinal, citando Boris Vian, “…como no jazz, o êxtase.”

Nov. 2005 / Jan. 2006