Este título de que me apropriei, remete para o filme de Jarmush, Coffee and Cigarettes, sem dúvida um excelente pretexto.
Outro excelente pretexto poderia ter sido o filme Smoke de Wayne Wang e Paul Auster. Mas não foi precisamente devido à ausência do café…
Devo dizer antes do mais, que sou um apreciador do Café preto e do Chá branco. E que sou também (não por opção mas por inevitabilidade) fumador passivo. Fumo passivamente qualquer marca. Nesse particular não estabeleço critérios. Quanto ao chá e ao café, já não é bem assim. Se no chá sou mais tolerante, no que ao café respeita sou absolutamente radical. Duas marcas apenas, merecem os meus créditos. Em desespero posso fazer mais uma – apenas uma – concessão, não mais!
Antes de prosseguir, devo deixar dito também que discordo em absoluto de proibições descabidas e de diabolizações irreflectidas.
Li algures, não sei onde nem me lembro sequer da autoria, que aquilo que nos dá prazer é pecado, engorda, faz mal (à saúde depreende-se) ou é proibido. Se não é proibido, é pelo menos socialmente mal visto. Café e cigarros, em níveis diferentes, estão nesta situação. Para muita gente o café faz mal. À saúde em geral e aos nervos em particular. E todos sabemos que é característica dos portugueses terem estômagos de aço e nervos sensíveis.
Começando pelas diabolizações irreflectidas, abordemos o café, tema menos controverso, julgo eu…
É comum rejeitar-se uma coisa porque alguém diz que faz mal. A maioria das vezes, ninguém se questiona acerca da veracidade da “coisa”. Alguém que junto de nós tem crédito afirma e nós acreditamos. De um modo geral, instalou-se a ideia que o café faz mal… A quê? Porquê? Não se sabe exactamente… parece que tira o sono, deixa as pessoas nervosas… mas será só o café que provoca estas reacções?
São raras as pessoas que dizem não beber café por não apreciarem. Apreciam, mas não bebem e não bebem porque faz mal!
É vulgar combinarmos com alguém “vamos tomar um café” e vemos esse alguém a tomar outra coisa qualquer que a maioria das vezes contém nos seus constituintes substancias tanto ou mais duvidosas do que aquelas que entram na constituição do café como bebida.
Invariavelmente me surpreendo com situações destas, mas isto são coisas do foro íntimo de cada um. As pessoas devem ter liberdade de escolha e como tal, cada um deve beber o que quiser ou lhe der prazer.
Conta-se que Balzac bebia mais de 50 cafés por dia e que terá morrido por excesso de cafeína. Apraz-me pensar que o café foi contributo importante para a concretização da “Comédia Humana” esse gigantesco e notável empreendimento. Se o foi, que melhor homenagem o café poderia ter?
Diz-se também que o café tira o sono… A mim não tira, de todo. O que me tira o sono e também do sério é a cretinice, a impostura, o oportunismo… Diz-se que desequilibra os nervos… A mim não desequilibra, de todo. O que me desequilibra os nervos é a mediocridade, a mesquinhez e a estupidez.
Não seria de admirar que um dia destes viessem a público estudos fiáveis e credíveis sobre inúmeras doenças originadas pelo consumo de café. Basta para isso que alguma luminária oriunda das Américas se lembre – a troco da mediatização exacerbada que todos estes estudos merecem – de investigar o assunto e amplificar os resultados. Até lá, “tomai e bebei…”, antes que seja proibido.
Agora os cigarros. Quanto a isto, estou perfeitamente à vontade para me pronunciar, na medida em que não sou nem nunca fui fumador activo. Estou também suficientemente esclarecido sobre o assunto para saber que o tabaco faz mal à saúde e que toda a gente está informada sobre o assunto.
É claro que ninguém ficará indiferente perante os números, esmagadores, das mortes causadas directa ou indirectamente pelo consumo de tabaco. Dados recolhidos no jornal “Público” de 17 de Abril de 2006 – devem estar hoje desactualizados – indicam que:
8400 pessoas morreram em Portugal devido a doenças ligadas ao tabaco, no ano 2000 (estimativa da OMS).
5 milhões de pessoas morrem actualmente em todo o mundo, segundo a OMS, e se nada for feito, em 2030 morrerão cerca de 10 milhões.
4500 substâncias químicas com efeitos tóxicos mutagénicos e cancerígenos é o que contém o fumo do tabaco.
90 por cento da mortalidade por cancro do pulmão, cerca de 30 por cento das mortes por qualquer tipo de cancro e cerca de 50 por cento de mortalidade cardiovascular são as percentagens estimadas de mortes por causa do consumo do tabaco.
Não pondo em causa a veracidade destes números, nem o panorama aterrador que eles revelam, seria interessante saber também os números – em milhões de euros – que entram nos cofres do estado, originados precisamente pelos lucros da Tabaqueira.
Volto a dizê-lo, são números preocupantes.
Mas digo também que com todos os avisos e campanhas e também com a amplificação que estas cruzadas sempre têm não deve haver ninguém com dúvidas. O tabaco faz mal!
Mas existem outras coisas que fazem mal, nomeadamente os corantes e conservantes. Os pesticidas e outros produtos químicos que entram na cadeia alimentar por caminhos ínvios também. Isto, para só referir o ramo alimentar. Os gases de escape também fazem mal, seja à saúde das pessoas seja à saúde do planeta. E daí? Não só não se restringe a circulação automóvel como se incentiva… Não é verdade que Lisboa está saturada de carros? Para quê a construção de uma nova ponte? Para quê mais parques de estacionamento? Quem já ouviu falar do protocolo de Quioto e dos atropelos de que foi vítima pelos que o ratificaram? Quem quer saber disto?
O tabaco mata?
A estupidez também, e ninguém parece preocupar-se…
Sobre o conteúdo da lei do tabaco, não vale a pena adiantar mais nada. Já foi amplamente comentada, contestada, apoiada… vale a pena sim, reflectir sobre a sua aplicação e também se esta é um caso isolado.
No meu entender, a “coisa” podia ser simplificada. Os proprietários dos estabelecimentos decidem se no seu interior se pode ou não fumar. Dístico na porta e bem visível. O cliente escolhe, faz no momento a opção por sua conta e risco. Ou entra, ou não entra.
Locais de diversão nocturna, livres de fumo? Parece-me bem… Locais de diversão nocturna, repletos de fumo? Parece-me bem também. O “Catacumbas” sem fumo? O “Hot Club” sem fumo? Coisa estranha…
A hipocrisia já existia antes desta nova lei, a estupidez acentua-se com ela. Mas, mais grave que isso, são todos os exemplos a que podemos deitar a mão, em como as tendências proibicionistas alastram, como fogo em mato seco. E mais, traz à superfície a veia de censor e de guardião da moral e dos bons costumes que cada um possui, com tudo o que isso tem de perigoso.
Acerca de proibições descabidas, assiste-se já à perseguição e ostracização dos trabalhadores fumadores ou, mais grave ainda. O facto de se ser fumador assinalado, é factor de exclusão em concursos para obtenção de emprego… Quem se arrepiou e clamou quando nalguns casos vindos a público se ficou a saber que os portadores de HIV se viram nessa situação, que dizer dos fumadores?
O que motiva este escrito, para além do declarado pretexto inicial, não são os malefícios do tabaco nem os benefícios das leis proibicionistas. O que me motiva e preocupa, antes de mais é o que pode vir a seguir.
Será que a Europa ao marchar a reboque destas ideias aberrantes e medidas discriminatórias, vulgares e desprovidas de imaginação, importadas directamente da América mais provinciana, retrógrada, pacóvia e delirante, vai ficar por aqui?
Não creio.
Nestas coisas como noutras, existe sempre a tentação de se ser “mais papista que o papa” e de não se querer ficar atrás.